Dona Matilde, a viúva mais apaixonada, depois de dez anos de luto do Deputado Genivaldo Correia Dornelles e Castro, resolveu confessar sua traição tão bem guardada. Foi durante a missa de Ramos, justamente durante o ofertório, antes do sino bater confirmando a palavra do Senhor. Sua voz, muda já há algumas semanas, ecoou pela nave principal da catedral e perdeu-se no burburinho que se seguiu. Sua filha mais velha, Joice Dornelles e Castro Monteiro, aquela que por muito tempo havia sido a primeira dama do município, levantou-se antes de todos ainda ajoelhados e gritou um "NÃO!" sonoro e bateu em retirada da igreja. Poderia ter sido um delírio de Dona Matilde, poderia ser um mal-entendido qualquer, mas, de repente, a suspeita sepultada desde a infância martelou-lhe o coração e não houve quem a detivesse na escadaria em frente ao templo. Seus dois filhos ainda saíram atrás dela, mas não detiveram a louca e desenfreada corrida pela avenida, que só parou quando ela estatelou-se contra o ônibus 2712, da Viação São Judas, que fazia a linha para o cemitério.
31 agosto 2006
Fala, Matilde - 3ª parte
Dona Matilde, a viúva mais apaixonada, depois de dez anos de luto do Deputado Genivaldo Correia Dornelles e Castro, resolveu confessar sua traição tão bem guardada. Foi durante a missa de Ramos, justamente durante o ofertório, antes do sino bater confirmando a palavra do Senhor. Sua voz, muda já há algumas semanas, ecoou pela nave principal da catedral e perdeu-se no burburinho que se seguiu. Sua filha mais velha, Joice Dornelles e Castro Monteiro, aquela que por muito tempo havia sido a primeira dama do município, levantou-se antes de todos ainda ajoelhados e gritou um "NÃO!" sonoro e bateu em retirada da igreja. Poderia ter sido um delírio de Dona Matilde, poderia ser um mal-entendido qualquer, mas, de repente, a suspeita sepultada desde a infância martelou-lhe o coração e não houve quem a detivesse na escadaria em frente ao templo. Seus dois filhos ainda saíram atrás dela, mas não detiveram a louca e desenfreada corrida pela avenida, que só parou quando ela estatelou-se contra o ônibus 2712, da Viação São Judas, que fazia a linha para o cemitério.
contado por SV às 08:46 8 contando encontros
28 agosto 2006
Fala, Matilde - 2ª parte
- Raspei a buceta quando casei.
Aquela declaração da avó, no meio do almoço de domingo, quando sua filha lhe alimentava perante os netos e bisnetos foi o primeiro escândalo. Alguns riram disfarçadamente, outros deixaram cair os talheres. A bisneta Aninha, de três anos perguntou:
- Pai, o que é buceta?
A resposta veio pelo apelido que a menina aprendera para rotular sua própria vagina infantil:
- Pepequinha, Aninha – disse o pai quase sussurrando.
- Por que a bisa raspou a pepequinha? – quis saber a pequena.
O pai disfarçou, agachou-se junto ao ouvido da menina e disse para perguntar a sua mãe, mais tarde. A pequena curiosa não quis esperar. A noção de depois para ela era algo vago, que poderia durar uma eternidade, talvez até ficar velhinha como a bisavó.
- Mamãe, por que a bisa raspou a pepequinha? – gritou a menina do outro lado da mesa.
As risadas pipocaram pela mesa, menos no rosto da Dona Matilde, que voltou ao ser estado letárgico, deixando escorrer um pedaço de macarrão pelo canto da boca.
contado por SV às 08:22 5 contando encontros
25 agosto 2006
Fala, Matilde - 1ª parte
- Mamãe, a vovó está velhinha... É natural que chegássemos a essa situação algum dia. Alzheimer não é a melhor forma de envelhecer, mas hoje em dia podemos conviver com a doença, além do que temos uma família grande e unida.
- Filha, mamãe está tão bem fisicamente, apesar da bengala. O que eu não esperava era que de um dia para o outro, tivesse que vê-la catatônica como está. Fico preocupada com a qualidade de vida que ela terá daqui para a frente.
- Já eu me preocupo mais com a sua saúde, mamãe. Você já está com 58 anos e terá que cuidar da vovó como se ela fosse uma criança. Graças a Deus, temos condições de contratar uma enfermeira e é o que faremos imediatamente.
- Darei todo o carinho que ela sempre me deu.
Vovó Matilde era uma octogenária, mas até o ano anterior aparentava excelente saúde. Depois de uma queda, teve que colocar uma prótese no joelho, mas isso havia acontecido há vinte e cinco anos atrás, quando ela tinha somente sessenta anos, e soube aproveitar muito bem a vida depois disso, viajando o mundo com o falecido por alguns anos e, depois da morte dele aos setenta e cinco, com seus filhos e netos. Porém, há alguns meses, começaram os primeiros sinais da doença, como esquecimentos, conversas desconexas e algumas atitudes que surpreenderam a família.
Hoje, depois do atendimento médico, andava apoiada no braço da filha, em silêncio, como se tivesse distraída. Para entrar no carro, sua neta apoiava a mão sobre sua cabeça e ela flexionava os joelhos, olhando para cima, como se não entendesse de onde vinha aquela pressão para baixo.
contado por SV às 09:13 6 contando encontros
23 agosto 2006
Tabela Prática da Vida Humana
Se você é um americano e perdeu alguém nos atentados de onze de Setembro, em troca de seu ente querido você tem o direito de receber sessenta corpos iraquianos ou afegãos. Não é ótimo?
Se você é israelense e tem um primo soldado que seja seqüestrado, a promoção é imperdível. Sem que ele seja morto, você pode receber cem corpos libaneses, ou, pasme, até quatro corpos brasileiros! Só não pode escolher, nessa promoção só valem corpos de origem árabe.
Se você é africano, poderá participar do PRETHU (Programa de Retirada e Extermínio Total de Humanos). Reúna vinte amigos que também sejam jovens, negros, famintos e soros-positivos e poderão ser enterrados numa mesma vala comum, haja visto que ainda haverá oitenta outros para enterrá-los. Mas aproveite logo, pois em breve será o contrário. Serão só vinte para enterrar os outros oitenta que morrerão de fome ou falta de assistência às vítimas da Aids.
Agora, se você é morador do Canadá, Nova Zelândia ou da Europa, a cotação está ótima. De cada cem mil habitantes, menos de cinco serão assassinados no próximo ano. Se for brasileiro, carioca, ou mesmo habitante de qualquer cidade satélite das metrópoles brasileiras a cotação está em cem mil por cinquenta no mínimo. Ou seja, a cotação está dez por um. Imagine só: de cada morto branquinho você recebe imediatamente dez corpos cheios de ginga e alegria! Uma barbada!
contado por SV às 08:31 6 contando encontros
18 agosto 2006
Palanques
O velho político estava sorridente na esquina mais movimentada da cidade. Entregava seus folhetos com um sorriso largo, passava a mão na cabeça das crianças, cumprimentava os mais idosos como se fossem conhecidos de longa data. Justamente quando pegava no colo uma menina de vestido rosa e cabelo encacheado, ouviu um grito vindo do anonimato que encoraja as verdades e debochava da mentira:
- Corrupto!
A mãe ainda conseguiu aparar a criança que do braço do velho senhor despencava. Como numa sinfonia de Beethoven, todos os ruídos pararam e ficaram de prontidão para o próximo compasso.
O velho levantou a bengala e desafiou:
- Quem disse isso?
As pessoas da primeira fila faziam que não com a cabeça, com o dedo indicador, até com o pé uma senhora negou. Um cachorro de rua que ali rondava chegou a dar um latido, mas foi logo inocentado pelo timbre de voz. Entreolhavam-se enquanto o burburinho aumentava. O velho voltou a perguntar:
- Quem foi que disse isso?
- Fui eu! – uma voz rouca veio do meio da multidão. Dava para escutar o barulho que faz o sinal ao mudar de cor no instante seguinte à declaração daquele outro velho de estatura baixa, de bigode branco e fino, com sua bengala metálica.
A multidão, como que comandada por um diretor de cena, foi se abrindo até que os dois se encararam com seus panfletos nas mãos. O velho baixinho e desafiador, trazia no peito o símbolo de seu partido, logo abaixo de sua foto, de uns 30 anos atrás, quando ainda tinha algum cabelo no meio da cabeça, onde agora jaz uma pobre verruga, que, por ironia, ostenta um grosso chumaço de cabelo negro.
- Só podia ser Vossa Excelência Venceslau de Araújo, o comunista mais gatuno que já vi!
- Vou te perseguir até teu túmulo, velho corrupto, ladrão, fascista de uma figa!
- Olha quem fala, olha quem fala!... Ainda tenho aquelas fotos de Nova Iorque onde Vossa Excelência e eu fomos juntos e que o senhor só queria andar pela noite e dizia que estava estudando a segurança pública!
- Benevides Madureira, o santo homem que conseguiu verbas para erguer três ginásios de esporte para dez mil pessoas cada um, numa cidade que tinha apenas dois mil habitantes!
As bengalas eram balançadas feito espadas. A saliva de um já se aproximava dos óculos do outro e os passos arrastados já tinham sido desperdiçados na mesma direção. Aos berros que estavam, seriam ouvidos a uma quadra de distância. As pessoas assistiam à cena, alguns aplaudindo, outros vaiando, outros pasmos em ver figuras tão conhecidas na cidade digladiando em insultos.
- Deputado Venceslau, ainda com aquele slogan de ajudar aos miseráveis? Vossa Excelência não se esqueceu de que a verba que serviria para erguer o hospital de pronto socorro foi parar em vossa fazenda em Goiás?
- E o senhor Madureira, que dizia que a educação era fundamental, o que fez com o dinheiro que recebeu das empreiteiras que forjou vencedoras das licitações para receber seus quinze por cento, seu ladrão sem vergonha? O combinado era dez e Vossa Excelência quis mais, seu mau caráter!
- É fácil dizer que eu sou mau caráter, quando o digníssimo colega usou de documentos falsos para vencer a licitação que asfaltou a estrada que vai até a sua fazenda!
- Pelo menos não vendi minha fazenda para a reforma agrária e depois expulsei os colonos com meus jagunços!
- Claro, o nobre deputado mandava matar e nunca foi pego, porque pagava muito bem os juizes!
Enquanto tudo isso transcorria a população ria, aplaudia e gritava vivas ora para um ora para o outro.
- Não tenho mais idade para ser ultrajado desse jeito!
- Sua velha onça vermelha, porque não se aposenta, já que o ilustríssimo colega recebe aposentadoria desde os vinte e oito anos?
- E Vossa Excelência, que não se aposentou e ainda recebe salário de quatro repartições públicas?
O povo vibrava com o bate bocas instalado. Faziam comentários, gargalhavam, vaiavam. Meia hora depois o episódio tinha acabado e o povo seguia seu curso, feito um rio que se joga ao mar e não sabe mais de onde veio tanto destroço de enxurrada.
Passado um mês, estavam os dois no mesmo palanque, rindo abraçados, apoiando o mesmo candidato à presidência, felizes por estarem re-eleitos.
contado por SV às 17:22 7 contando encontros
16 agosto 2006
Além do Fim - última parte
contado por SV às 17:25 7 contando encontros
14 agosto 2006
Além do Fim - 10ª parte
Aqueles sinais embaralhados eram uma ponte que se estendia, além da troca de carícias. O que era três virou a letra E que juntou com a letra A que já descobrira e um pouco mais ele entendeu. A intimidade instalou-se quando seus olhos encontraram o caminho dos lábios e as palavras foram ficando claras, como fica o desejo atrás das pálpebras.
contado por SV às 08:38 4 contando encontros
11 agosto 2006
Além do Fim - 9ª parte
contado por SV às 17:04 5 contando encontros
09 agosto 2006
Além do Fim - 8ª parte
contado por SV às 17:39 11 contando encontros
07 agosto 2006
Além do Fim - 7ª parte
contado por SV às 08:55 6 contando encontros
03 agosto 2006
Além do Fim - 6ª parte
contado por SV às 08:21 6 contando encontros
01 agosto 2006
Além do Fim - 5ª parte
Segunda Dimensão, Salvador Dalí
Ela não podia crer naquilo. Um homem bonito, que apesar de estar com a roupa suja, se via não serem roupas velhas. Como poderia ter chegado àquele ponto? Um bêbado caído na sarjeta, recolhido por uma mendiga que vivia de pequenos furtos com seu cão velho, que só servia para dormir e andar com ela pelas lixeiras. Um homem que não falava, comia bem, cagava bem e não movia nada além dos olhos. Depois daquela sujeira toda, pegou uma camiseta velha de propaganda política que tinha e limpou a merda toda. Pôde ver o homem nu, pois a cueca que lhe tirou já não servia pra mais nada. Viu o corpo inerte, porém bem feito, com um cacete bem grande que lhe deu um arrepio entre as pernas. Porém, daquele outro bêbado caído sobre um monte de pêlos mijados era natural que nada pudesse esperar. Mesmo assim, longe dos olhos dele, aproveitou para pegar-lhe com a mão, apertar-lhe e sentir o peso de suas bolas, coisa que nunca pôde fazer quando dava para homens que lhe dessem o prazer da droga. Limpou-o dentro do possível, derramou da água, esfregou e pensou que talvez esse homem mudo, inerte e bonito pudesse servir para alguma coisa. Antes de sair, escreveu-lhe:
contado por SV às 07:58 5 contando encontros