[Pacote de Flores - Ariadne Decker]
Quatro e meia, talvez cinco horas. Recusava-se a olhar as horas no celular sobre o criado mudo, porque estava no lado da cama que Gustavo dormia. Aceitar as horas era aceitar a perda e isso, ela não aceitaria. Suzana sabia que a dor persistiria, que logo cedo deveria por negro e ir a igreja rezar a missa de sétimo dia. Teria seu filho nos braços, teria o amparo da irmã, que também de negro choraria como se tivesse ela perdido o amor de sua vida.
Quando o primeiro raio de sol perpetrou o quarto, encontrou-lhe pálida, o que mais tarde seria motivo de comentários na saída da igreja, dado o contraste triste do vestido negro sobre um corpo que arderia de saudades.
Do trabalho dele viriam alguns colegas de departamento, mas não todos porque no acidente também morrera Sônia, a secretária de Gustavo, quando voltavam de Blumenau para atender um cliente. A pobre Sônia sofreu até ontem, em coma, entre seus pedaços de carne que pulsaram até a morte no hospital, ondeo chegou com fragmentos de Gustavo, pedras, terra e lataria. As duas mortes na empresa chocaram a cidade e talvez por isso a igreja estivesse cheia, embora eles nunca a tivessem freqüentado, após o batizado de Juliano.
Após a missa, sua mãe insistiu que ela fosse passar uns dias em sua casa, na Lagoa da Conceição, na tranqüilidade de maio, quando o vento sul atravessa a ilha e prenuncia rajadas antártidas, que teria que suportar sem o aconchego a lhe aquecer as entranhas. Poderia espairecer um pouco e repousar, mas ela não aceitou o convite e permaneceu no apartamento. Lá ficaria até que todas as células desprendidas nas noites de amor se desfizessem, porque cada uma era um resto dele, um farelo, uma migalha que Gustavo deixara para nutri-la de amor. Sua irmã solidária e chorosa dispôs-se a ficar com ela no apartamento, cuidando de Juliano e mesmo dela, nesses tempos tão difíceis. Na verdade, ninguém saberia dizer quem precisava mais de quem.