26 novembro 2006

Parapeito - VIII

nota sobre os estereogramas:

Estereogramas são imagens que ocultam um efeito de 3D. Para visualizá-las, clique na figura para abri-la em tamanho maior, depois aproxime-se à tela, procurando seu próprio reflexo. Permaneça assim por alguns instantes até que uma imagem tridimencional comece a se formar. Associei essas imagens à personagem, que busca outra dimensão de suas fantasias na sua incessante procura pelo desejo.


A fronteira entre a fantasia e o desequilíbrio mostrou-se real para Marieta naquele instante. Ao tentar resgatar seu binóculo que fora parar logo abaixo do parapeito de sua janela, na marquise do prédio, viu que estava sendo observada pela luneta no prédio quase em frente. Seu corpo oscilou para frente fazendo-a levantar suas pernas e deslizar para fora. Embora tivesse sido um movimento lento, houve tempo suficiente para seu roupão de cetim resvalar pelo seu corpo, deixando suas nádegas e metade das costas à mostra. O hobby, feito cortina, desceu pelo seu corpo encobrindo-lhe parcialmente o rosto, porém mantendo-se preso à cintura. Naquela posição desconfortável, apoiada com as mãos no piso, ao lado do binóculo que naquele momento parecia observar-lhe, não teve outra alternativa senão descer o resto do corpo, engatinhando pesadamente. Lá embaixo, ouvia a voz de Marialva e Adelaide, que iniciavam sua caminhada buscando a vã ilusão de manter-se em forma para o verão. Num instante, elas cruzaram a rua, em frente ao motel e de olhos espichados para dentro, nem perceberam o volume humano que já descia a segunda perna para safar-se da posição inusitada. Marieta nem havia se recomposto da queda, quando ouviu a persiana de vidro descer e fechá-la pelo lado de fora do apartamento. Não tinha coragem para olhar em direção à luneta, a única testemunha de sua malfadada sina de voyeur atrapalhada. Já iniciada a noite, o último clarão de sol já atravessara a fronteira do dia e pode sentir-se oculta na escuridão, enrolada na sua roupa, agora acinzentada pela ausência de luz, em frente ao hotel que não a via e muito perto de alguém a quem agora se expunha. O poste em frente acendeu sua luz e ela agora estava na ribalta que não lhe pertencia. Na sua pior fantasia, não se veria em tão maus lençóis.

24 novembro 2006

Parapeito - VII


Ainda com o echarpe no pescoço e o velho hobby que estava mais à mão foi atender a porta na expectativa que suas fantasias deixaram repousar pelo apartamento. Adelaide e Marialva, duas de suas colegas e amigas, vieram buscá-la para a caminhada que combinaram à saída do laboratório, quando sua mente já estava noutro lugar. Olharam de cima a baixo e perguntaram onde ela pretendia caminhar naqueles trajes. Ela tentou dissimular uma dor de cabeça que não combinava com o enfeite rosa choque no pescoço e com a mão na testa utilizou-se da surrada desculpa da dor de cabeça. As amigas, socadas em suas malhas justas, desejaram melhoras, entreolharam-se e partiram.
Marieta voltou e procurou pela luneta, sua única platéia na performance interrompida. Não estava mais lá. Antes de sentar-se à janela, apanhou seu binóculo e observou os dois carros enfileirados à entrada do motel, ambos com apenas uma passageira cada. Do ponto em que estava viu que elas acenavam entre si e Marieta não resistiu e sentou-se no banco da frente do segundo carro, ainda de hobby e echarpe. Foram para a suíte de luxe, que possuía lugar para dois carros. As duas mulheres lindas e perfumadas a despiram na garagem, mantendo apenas o seu ornamento rosa que enrolaram no seu corpo e a levaram abraçadas para o quarto. Lá, feito dançarina de boate, estenderam-no para que ela se desenrolasse sensualmente e terminasse por cair sobre o corpo de uma delas, a mulata. Com os olhos fechados e rindo à toa, deixou-se conduzir pelas suas novas amigas, que vasculharam suas curvas e seus recantos escondidos, trazendo sensações que nunca sentiu com outros homens de suas fantasias. Enquanto a mulata percorria seu corpo com sua língua, deixava os seios volumosos e firmes deslizarem delicadamente pela sua pele. A loira, de cabelo solto, subia pelas suas pernas e afundava-se entre elas, fazendo sentir aquela língua longa e ágil naufragando em suas entranhas. O binóculo soltou-se de sua mão e ficou suspenso no parapeito, fazendo-a esticar-se para fora da janela para recuperar as lentes de seus desejos. Mal percebeu que tinha o corpo semi-nu e que a luneta voltara à janela.

20 novembro 2006

Parapeito - VI


A enxurrada de fim de tarde atrasou-lhe o retorno para casa. Depois de um dia inteiro examinando excrementos humanos, sangues doentes e urinas fétidas, corria para seu apartamento para saborear seus desejos, feito doce em manhã de páscoa.
Antes de subir as escadas na entrada do prédio, lembrou-se da luneta a espreitá-la e voltou à calçada. Lá estava ele, com o instrumento direcionado para a sua janela. Pensou em ir até lá, mas dizer o quê se ele fazia exatamente o que ela experimentava todas as noites em direção ao motel? Subiu os quatro andares aflita: hoje seria protagonista.
A noite já iniciava a deitar-se sobre o horizonte, estendendo seu manto de estrelas após a chuva torrencial da tarde. Num ângulo que podia ser vista e com uma meia luz propícia, foi desfazendo-se de suas roupas e deixando a mostra suas carnes volumosas, porém bem distribuídas. Chegou a pensar em fazer uma dança, enrolar-se num echarpe, sob uma música de Kenny G., o som que mais gostava de ouvir enquanto se acariava. Mas, não. Apenas despiu-se displicentemente e de quando em vez jogava olhares para o homem de luneta. Ele entrou voando por sua janela e viu que aquilo não era uma luneta. Era algo mais interessante..., bem mais interessante. Ele passou a luneta entre suas coxas, subiu pelas suas costas enquanto ela se agachava para virar-se e receber em sua boca... Alguém bateu à porta.

17 novembro 2006

Parapeito - V



O binóculo foi presente de seu amigo por ter ido junto à parada gay. Disse-lhe que gostava de olhar a paisagem e herdou a relíquia rosa. No fim de tarde abafado, onde nem os pássaros se animavam a cantar, ela suava em sua janela com o novo equipamento em sua mão. Podia ver detalhes daqueles que se aproximavam da entrada do motel como nunca teria imaginado antes.

Marieta observou o homem cabeludo, de bigode e costeletas com barba por fazer, aparentando trinta e poucos anos. Para sua surpresa ele estava sozinho no carro. Baixou o binóculo e viu escrito no pequeno Fiat Uno: "Desentupidora Talimpo". Já estava buscando outro carro, quando sua mente vou de si e despiu-se para esperar o serviço no quarto. Ele entrou com seu macacão com ferramentas penduradas, aberto até quase a cintura, deixando a mostra a pele bronzeada forrada de densos pêlos negros. Marieta, deitada na cama redonda, pediu que lhe mostrasse os instrumentos e para o que servia, ao que ele foi generoso e prestativo. Depois da chave inglesa, ela quis saber o que mais ele trouxera dentro do macacão, que marcava por fora da roupa. Ele desafiou sua curiosidade e pediu que ela descobrisse por si, tateando o volume. Ela chegou mais perto e pediu para espiar para dentro da roupa no mesmo instante em que a mesma luz do dia anterior ofuscou-lhe os olhos e derrubou-lhe das nuvens. Procurou pelo binóculo que pendia em seu pescoço suspenso por uma fita de cetim prateada, do jeito que ganhou de seu amigo e buscou identificar de onde vinha o raio de luz, no prédio quase em frente, ao lado do motel. Descobriu uma luneta em sua direção.

16 novembro 2006

Mini Contos Cotidianos

Estou lançando meu novo blog de mini contos:
Sejam bem-vindos!

14 novembro 2006

Parapeito - IV




Nas longas tardes de horário de verão, Marieta chegava ainda com sol em casa e podia assistir o movimento vespertino do motel. O sol dava cores mais realçadas a fachada e possibilitava observar melhor àqueles que por ali passavam. Na tarde quente que agora findava, teve que por um ventilador para refrescar todos seus calores.
Era um carro grande e confortável e, para sua surpresa, cheio. No mínimo cinco pessoas pararam na portaria, pediram um quarto e entraram. Ainda teve tempo de abrir a porta trazeira e espremer-se entre os três homens que lá estavam, todos entre vinte e trinta anos, sendo um negro de altura mediana, um muito branco com uma barba avermelhada e outro que contrastava seu rosto com traços indígenas num corpo alto e musculoso. No banco da frente, no lado do caroneiro, outro rapaz mulato, com sorriso alvo, um brinco pequeníssimo no lado esquerdo. Todos com corpos impecáveis, dentes, olhos, músculos, pernas. No banco do motorista uma mulher bem tratada, entre quarenta e cinquenta anos, cabelos longos, pintados de um loiro dourado que contrastava com a pele bronzeada. Marieta era a última no trenzinho que entraram no quarto, já sem roupa. A um sinal da mulher locomotiva, a força foi invertida e Marieta passou a puxar o comboio, com o negro corpulento a segurar-lhe a cintura encaixando seu corpo ao dela. Circularam a cama king size e foram se enrolando um no outro, pernas sobre peitos, sexos expostos, línguas roçando pelos corpos, beijos que surpreendiam partes do corpo nunca antes exploradas. Quando tinha o barba ruiva afundado entre suas ancas, o negro a beijar-lhe os seios, enquanto o mulado lhe beijava a nuca segurando-lhe pela cintura e o índio a mordicar-lhe o pé direto enquanto o esquerdo descançava sobre o sexo dele nada descançado, lembrou-se da mulher e a viu aproximar-se para beijar-lhe a boca. A imagem da mulher a fez deixar seu sonho e não conseguiu mais voltar à fantasia, até porque, naquele momento, o sol se punha e refletia numa estranha luz que rebatia no prédio quase em frente e lhe ofuscava a visão feito farol em mar aberto.

10 novembro 2006

Parapeito - III




Ao chegar em casa, a primeira coisa que olhava era para a janela, antes mesmo de largar a bolsa, tirar o uniforme do laboratório de análises, onde trabalhava, ou até mesmo apanhar algo na geladeira para saciar a fome. Sua fome era outra e por isso deixava já a manta ao alcance para apoiar-se no parapeito nas noites frescas de primavera.
Naquela noite, mal havia se acomodado, quando tocou a campainha e para sua surpresa, suas quatro colegas de trabalho adentraram o apartamento cantando parabéns, com um bolo, algumas cervejas e salgadinhos. No início não entendeu o que ocorria, pois fazia algum tempo que não contava os anos. Eram, na verdade, três mulheres e um gay, mas ao seu nível de proximidade tratavam-se no mesmo gênero. Eram as quatro um grupo muito próximo e ela um quinto elemento, preservando a distância que sempre a manteve longe das pessoas e próxima a suas fantasias.
Ela deu ainda uma rápida olhada pela janela, onde podia ver que o movimento no motel já se iniciara. Deu um suspiro, abriu um sorriso meio de agradecimento, meio de obrigação e as convidou a sentar. Ficou em sua cadeira e entre um salgadinho e um gole, espiava para fora sua noite de sonhos perdidos.

08 novembro 2006

Parapeito - II

Imagem emprestada daqui
No sul do Brasil, a mudança de estações é feita de sol, trovoadas e mais sol. A sua janela, respingada pelo temporal, cintilava cada gota como se fossem pequenas luzinhas, quando o sol se pôs. Chegava a hora do dia que mais esperava, já no lusco-fusco que inundava e fertilizava os vales de suas fantasias.
O primeiro carro era sempre uma expectativa. Era o abrir de sua imaginação. Hoje, um Audi preto, de vidros escuros não lhe permitiu grandes visões, porém pôde ver o braço dele estendendo a mão e apanhando a chave. Era um braço peludo, com uma pulseira dourada a refletir a iluminação do hall de entrada. Na contra luz, viu a mulher de cabelos longos quase que deitada sobre ele, como se o prazer já tivesse iniciado.
Ela ajeitou-se melhor e antes que a porta do motel fechasse, pode perceber a música que rodava no som do automóvel. Era um tango, bolero, algo assim latino e antigo, como um filme dos anos cinquenta. A porta fechou e ela embarcou no carro, no banco de trás para assistir à cena bem acomodada. Entraram no quarto, com o homem de seus cinquenta e tantos anos, levando pela mão a mulata de corpo roliço, seios firmes e volumosos, ancas largas e convidativas. Beijaram-se os três. Ela entrepôs-se entre os dois, recebendo os beijos nos seios e deixando-se lamber as costas pela mulher. Entraram para o banheiro, adjunto ao quarto, separado por um vitrô que transpassava a meia-luz em tons verde e marrom formando um mosaico estilo Kama-Sutra. Os três acomodaram-se na mini-piscina e na suavidade das peles molhadas se acariciavam, enquanto o braço cabeludo com a pulseira dourada se esfregava em seu corpo que queimava, buscando os recantos mais ardentes e sensíveis entre suas coxas.
Sentiu a umidade tomar conta de suas calcinhas, levantou-se, fechou a janela e foi tomar uma ducha.

06 novembro 2006

Parapeito - I


(imagem tomada emprestada daqui)
Quando o sol se punha, ela ia para a janela assistir o outro mundo que nascia. Morar em frente a um motel, para alguns seria sinônimo de barulho toda a noite. Para ela, era um prazer. Em todos os sentidos.
Marieta vivia só, se não contarmos suas fantasias, que encheriam várias camas. A cada casal que entrava, de certa forma ela ia junto. Seus olhos acompanhavam o veículo e podia sentir-se sentada dentro dele, no meio deles, fosse quem fosse. No inverno providenciava uma manta para apoiar-se no parapeito e manter os seus aquecidos. Qualquer resfriado poderia tirar-lhe de seu camarote e isso era impensável.
E Marieta via cada uma...

03 novembro 2006

Enfim, Zulmira

Originalmente publicado em 19/01/2006

Dona Zulmira, Zulmira, Zuzu... Tanto faz, era assim que a chamavam.

Zulmira era uma mulher dada ao trabalho e à família. Acordava cedo, seis e trinta. Levantava antes que o marido e as duas meninas, para aprontar-lhes o café. O aroma invadia todos os recantos de seu lar, preparava as torradas no ponto para Jonas e tostadas para Pietra e Janice, as gêmeas de oito anos. Ia até o quarto e lembrava o marido que já estava em seu horário, com um leve beijo na testa. Para as meninas, abria a janela e deixava entrar o sol nascendo, ligava o aparelho de som com alguma música suave de agrado delas e anunciava, com sua voz melodiosa, que era hora de acordar. Em dez minutos todos estavam à mesa e discutiam os afazeres do dia.

Às sete e quinze, Zulmira tomava seu carro, Jonas o seu, e ambos iam para seus trabalhos, com as meninas no banco traseiro do carro de Zulmira. Jonas ainda acenava e jogava um beijo a distância, antes de dirigir-se à cidade. Moravam próximos à escola, no bairro seguinte em direção oposta ao centro da cidade, o que não dava dez minutos, tempo suficiente para que Dona Zulmira entrasse em sala de aula pontualmente.

Entre dúvidas de português e recortes de cartolina, suas crianças lhe observavam atentas a todos os detalhes e preparavam as lembranças para o dia das mães. No intervalo, encontrava-se com suas colegas para falar da novela do dia anterior, do Jorginho, aquele menino levado que só a Zulmira conseguia conduzir.

Às onze e trinta estava liberada, esperava as meninas e voltava para casa, a tempo de preparar o almoço e esperar por Jonas, que via de regra atrasava-se e chegava quase às doze e quinze. Zuzu, como ele a chamava, lhe recebia de avental, mas nunca sem seu perfume, para que Jonas lhe desse o seu beijinho nos lábios. Zuzu cozinhava muito bem, sempre dizia Jonas, seguido de uma breve risada, apresentando sua barriguinha que lhe já suplantava o cinto. As meninas brincavam, corriam, brigavam, mas quando Zuzu chamava era uma vez só e estavam à mesa para saborear as delícias que mamãe fazia. Eram lasanhas, assados, saladas bem postas, arroz não faltava e duas vezes por semana um feijão muito bem temperado, que só Zuzu conseguia fazer e não dava a receita!

Após o almoço, Jonas saía, dava-lhe o beijo suave de despedida na sua face e já levava as meninas para suas atividades. Nas segundas e quartas, faziam inglês para que pudessem competir no mercado de trabalho quando adultas, recomendava Jonas. Nas terças tinham balé e na sexta natação. Sobrava a quinta-feira para porem seus deveres em ordem, divertirem-se na piscina no verão ou convidarem alguma amiga para passarem as tardes brincando no jardim.

Bem, hoje era segunda-feira e Zulmira não poderia perder tempo. Lavava toda sua louça, tomava um banho e surgia Abigail, cheirosa, lasciva, lábios pintados, roupa justa, seios bem desenhados em seu decote ousado. Seus saltos altos eram de nove centímetros, o que não era necessário, pois com seus um metro e setenta e cinco já era bastante alta. Abigail pegava sua bolsa, seu carro e ia para a capital, a quarenta quilômetros, praticamente meia hora, onde tinha seu ponto e faturava uns trocados.

Jonas nunca desconfiou de nada. Apesar do salário de professora, conseguia manter seu carro novo, roupas novas, o perfume que Jonas adorava e até pagou a piscina! Era feliz assim, apesar de Zulmira ter sempre uma reclamação: não gostava de seu nome, porque desde seus tempos de menina na escola, sempre fora a última da chamada.