10 abril 2008

Em coma



Não é que não houvesse mais nada a falar. As palavras lhe borbulhavam nas pontas dos dedos, como uma dormência, uma letargia dinâmica. Com seus olhos fechados, ouvia conversas das mais variadas: a mulher que se preocupava em ir ao supermercado depois de sair do hospital, a filha que lhe acarinhava a mão e contava coisas que nunca ousara falar antes, o pai que nem imaginava que soubesse chorar, o amigo de tantos anos que lhe segredava um amor que sempre desconfiara e preferira não reconhecer, o sócio que queria saber as senhas, a prima que sentia não ter chegado antes, alguém que não conseguia descobrir quem era, mas que falava em despesas do plano de saúde, outro amigo que comia a enfermeira no quarto durante a noite, a mãe que não dizia nada e ele entendia tudo, todos misturados em sonhos.
Não conseguia decifrar muito bem o que era realidade ou não. Havia nas visitas alguns blogueiros, que lhe eram referências virtuais, mas que podia reconhecer em palavras de carinho que recebera em seu blog por anos a fio. No estado em que se encontrava, já não havia diferença entre virtual e real. Ele próprio se julgava digitalizado. Era como se tivesse ficado preso durante um upload.
Nas suas alucinações, procurava a imagem perfeita, o verbo ideal, o título para sua vida. Em vão. Estava em fading e tudo ficaria em branco. Não tinha mais espaço para misticismos. Nascera durante uma oração de sua mãe, fora batizado, crismado e casou. Com o tempo foi se distanciando do etéreo e tornou-se mais pragmático, mas não por isso menos humano. Agora, no fim da estrada, procurava uma luz. Talvez aquela que lhe referia os ideais ancestrais de seus genes, ou algum pedacinho de fé que lhe servisse de tocha na escuridão.

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Amigos, o Contos & Encontros está em coma. Talvez viva, talvez não. Não quer dizer que o autor não queira continuá-lo, mas não é possível manter a freqüência de postagens atualmente.

Ficam vivos seus dois irmãos: o Mini Contos Cotidianos e o irmãozinho mais novo, nascido ontem em parceria com Hemisfério Norte de Portugal, o Minimínimos.

Agradeço a todos pelos incentivos, dicas, apoio ou simplemente pelos seus olhares em visitas rápidas. Terão a chance de ler textos mais curtos nos blogues que continuarão.