No cinema, vigorava a luz que transferia para contrastes tudo aquilo que era impossível em cores ou sons. As primeiras gravações sonoras continham pronúncias acentuadas de esses e erres para contrabalançar o chiado e a falta de definição, que seriam possíveis só décadas mais tarde. Todos esses meios de transmissão de história eram restritos a uma elite que tinha a seu alcance uma tecnologia, que para sua época era o triunfo da capacidade humana. Sendo a história sempre contada pelo vencedor da guerra, deduz-se que eram eles os dominantes sobre uma maioria sem acesso a tais recursos.
À medida que o século avançou, também os registros históricos foram se espalhando pela pirâmide social, possibilitando que mais pessoas tivessem acesso à formação da história. Novamente, os dominadores em busca de maiores rendimentos, buscaram novos consumidores e geraram novas necessidades. Assim, pela metade do século XX, o que víamos eram câmeras cinematográficas se alastrando pela sociedade de forma portátil entre as famílias mais abastadas, as máquinas fotográficas que permitiram nossas fotos de infância em cores desbotadas e gravações sonoras em fitas K7 com vozes infantis perante um interlocutor formal, oriundo da geração anterior.
Hoje, início do século XXI, temos computadores que nos interligam a Internet e podemos registrar para todo mundo nosso dia a dia em blogs. As câmeras digitais são conectadas diretamente na rede e na maioria das vezes nem ganham mais sua impressão em papel. O cinema é feito de imagens montadas, em cenários inexistentes por atores com movimentos virtuais.
Qual será nosso álbum do futuro? As fotos em sépia continuarão existindo, ao lado de fotos coloridas e desbotadas? E como colocaremos o momento atual, onde a memória da câmera é deletada para dar lugar a novas imagens? Nossos registros se tornaram tão virtuais e levianos que estão deixando de ser o que sempre foram: pistas para explicarmos o passado.
Tudo isso nos faz refletir sobre as relações inter-pessoais e as comparações se tornam inevitáveis. Aquelas famílias reunidas para, numa tarde ensolarada, colocarem seus melhores trajes domingueiros e registrar em “photografias”, retratavam um modo de vida da época, onde os relacionamentos eram estabelecidos de maneira demorada, com namoros e noivados presumíveis que fatalmente transformar-se-iam em casamentos com muitos filhos, onde a tolerância e a subserviência mantinham a coesão familiar.
Quando a tecnologia do pós-guerra atingiu os lares, trouxe a roldão uma flexibilização que, em nome do amor e da paz, produziu uma geração onde os laços se tornaram mais frágeis, com casamentos menos duradouros, gravados em fotos desbotadas.
No momento que vivemos agora, tudo é virtual, banal e leviano. Vivemos a geração da leviandade, onde os registros se tornaram funestos e deletáveis, assim como os relacionamentos. As pessoas vivem para o dia, sem importar-se em fazer história e não tolerando nada que fuja do prazer proposto histericamente nos meios de comunicação de massa, feito video-clip.
E depois, o que restará? Sem história, sem quem faça a história, a humanidade ruma ao egoísmo do prazer instantâneo ou busca caminhos diferentes daqueles que conhecemos nos álbuns empoeirados na casa de nossos avós?