19 setembro 2006

Fala, Matilde - última parte


Flores, Fernando Botero

Ontem de manhã foi o enterro de Dona Matilde. Segundo o laudo médico, morreu de asfixia provocada provavelmente por algum travesseiro. A polícia entendeu que coisas assim acontecem com quem não consegue cuidar de suas mais primárias necessidades, porém dentro da família havia sentimentos contraditórios. Alguns choravam pela mãe amada, que estivera tanto tempo presente e alegrara suas vidas até àqueles últimos meses catastróficos; outros olhavam suas anotações vagas - numa até havia a palavra PUTA em letras garrafais - e choravam compulsivamente; os últimos, aliviados pelos sigilos que agora poderiam descansar no túmulo, eram mais comedidos e por trás de lágrimas sociais disfarçavam suspiros incontidos.
Porém, segredos não morrem e, quem sabe, algum dia, voltem à tona quando eles próprios chegarem à idade da destruição de mistérios que Dona Matilde presenciou. O que poderá vir à superfície, quem viver verá, para mais tarde soltar os seus, que poderão ser motivos de riso, choro, espanto ou redenção.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fantastico... Fantastico em dobro!

Finalmente, a frase de Oscar Wilde, uma de suas melhores, do livro O Retrato de Dorian Gray:

'Uma pessoa nao deve cometer atos sobre os quais nao pode conversar a respeito na hora da janta'

Anônimo disse...

A respeito da morte de Matilde... uma pena. Esta série é ótima. Mas, o autor faz nascer e faz morrer, constrói e destrói. Por isto é tão bom escrever.
Quanto ao comentário àcima: a frase de Oscar Wilde dificilmente se aplica ao cotidiano. A não ser que se queira criar situações como as que Matilde provocava na família. Ou não?
Estou esperando você com um post novo e um tanto polêmico, creio. Apareça, amigo.

Anônimo disse...

Concordo com Dalila em seu comentário acima, é bem difícil seguir o conselho de Oscar Wilde:

'Uma pessoa nao deve cometer atos sobre os quais nao pode conversar a respeito na hora da janta' (ou num churrasco...né Silvio? hehehe)

Sim, mas...Dona Matilde morreu e não deixou a senha da conta na suíça???

A. Pinto Correia disse...

A redenção certamente. - O homem não se dá conta que ele mesmo é redentor -

Abraços