12 janeiro 2007

Desce? - 1


Braque - cubismo



Décimo oitavo andar, o último. Prédios antigos não deveriam ser tão altos, pensava enquanto ajeitava os documentos que teria que entregar. O velho elevador pára, saem as últimas pessoas se abanando e ele entra ali solitário. Num solavanco, começa a descida e logo pára no andar inferior. Entra uma senhora que lhe pergunta “desce?”, a que ele acena com a cabeça que sim. A porta fecha rapidamente dando a falsa sensação que algo muito rápido está para acontecer, porém retoma sua descida preguiçosa. Mais dois andares, nova parada. A velha senhora se segura na parede para deter sua queda, tal a sacudida que dá. Tão logo se equilibra faz o sinal da cruz e a porta se abre para a entrada de duas mulheres que falam ao celular. Uma delas continua a conversa quando a porta se fecha no mesmo susto de antes para a senhora. O rapaz olha para as duas jovens, avalia-as de cima a baixo e põe o fone no ouvido e os óculos de sol, como se elas tivessem iluminado a velha caixa descendente. Dedilha na parede de trás o rap que escuta no MP3 player. Três andares sem parar, até que, em leve desnível, pára novamente para a entrada de um homem gordo com uma pasta executivo na mão, sob o olhar assustado da senhora idosa, que mais uma vez se benze. As meninas dão lugar para o espaçoso senhor, que por pouco não é atingido pela força da porta que se fecha. Décimo andar, dois homens suados entram rapidamente e apertam o botão de fechar. Falam-se aos cochichos como se ninguém pudesse ouvi-los. O rapaz com o fone no ouvido não se interessa na conversa e continua a olhar por trás dos óculos escuros as duas garotas. Avalia que uma deve ter uns dezesseis e a outra já é meio velha, talvez uns vinte, idade avançada para seus dezessete recém completados. Descem mais dois e o calor começa a incomodar. Nova parada, ainda havia espaço para mais duas ou três pessoas, porém os dois rapazes assumem o botão de comando da porta e avisam que está lotado para o casal de idosos que queria entrar. O elevador pára entre o sétimo e o sexto andar bruscamente e as luzes se apagam.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sílvio, querido,
O texto primoroso de sempre, a originalidade e o suspense.
Que delícia ler você, um dos meus achados de 2006...
Beijo grande,
Carla

Alexandra disse...

Sílvio, você é uma inspiração.
Um abraço da amiga,