13 julho 2006

Álbum - 3ª parte


Foi num final de março, início de outono que aconteceu. Sem que nada sinalizasse, sem aviso, sem cerimônia. Mais precisamente, ontem, na rodoviária, encontrei Padre Alberto. Ou melhor, encontrei Alberto.
Ele me abraçou, lamentou termos nos distanciado tantos anos, reclamou do correio, da Internet, do Google e até da Divina Providência. Sentamos num bar, ele pediu uma cerveja e sem que eu pudesse falar a primeira palavra ele atalhou:
- Vim atrás de Graça!
Não sabia se lhe contava tudo, a foto que não foi rasgada, o encontro mágico, os filhos, as cartas não respondidas. Ele continuava o mesmo sorriso em pessoa, mais culto, mais simples, mais tudo o que sempre foi, apesar da mecha branca que denunciava os quase cinqüenta anos que ninguém lhe daria.
Com dificuldade, balbuciei:
- Graça?
Ele me falou das cisternas que inaugurou, das igrejas que ergueu, das crianças que salvou, mas que sempre, em todas as noites secas no sertão de Pernambuco, era em Graça que pensava.
- Sim, aquela da foto - ele ainda tentou me fazer lembrar - sabe onde ela está?
- Graça? - não conseguia dizer outra coisa.
Ele me falou então de como ela era, de seus olhos amendoados, de sua alma pura, gentil e valorosa. De quanto tinham em comum e de como foi difícil viver longe dela, mas que depois de ter servido tanto tempo a Deus, dava seu trabalho como feito e que queria agora recuperar seu passado.
- Casei.
Não contei com quem, mas me senti aliviado. Eu disse, ele que não entendeu, pensei. Ele me falou sobre amor, da vida que passou e sobre o que presenciou, casamentos, mortes, nascimentos, ódio, fé e abandono. Me perguntou sobre filhos e eu falei que meu primogênito era Alberto, como ele. Emocionado ele levantou-se e me abraçou longamente, como que agradecido, pela homenagem da forte amizade tantos anos adormecida.
- Conheço?
- Quem?
- Ela.
- Quem?
- Tua esposa, Rogério, quem mais?
- Minha esposa?
- Amigo, acho que bebemos além da conta. Vá para casa e amanhã nos encontramos, está bem?
- Claro, Alberto, claro. Amanhã? Aqui, pode ser?
- Ou na tua casa, se me convidares!
- Não, aqui está bom.
- Muito bem, amigo! Depois de Graça, tu eras a primeira pessoa com quem queria encontrar.
Não lembro com detalhes o que aconteceu nos minutos que se sucederam. Quando me dei por conta estava entrando em casa e sendo abraçado por Graça, que com seus lábios quentes me despertou. Disse que não estava bem, precisava de um banho e dormir. Ela sorriu e me disse:
- Encontrou amigos, meu amor?
- Sim - respondi sem pensar.
- O cheiro da cerveja justifica o cansaço. Durma bem!
Deitei com a dúvida de como contar para Graça e expor tudo o que me acontecera; como tudo que mais amava no mundo, poderia me fazer o pior dos homens caso se encontrassem.
Ainda estava fitando o teto, quando ela entrou para ver como eu estava.
- Amanhã vamos ter visita, meu bem - disse antes de apagar.

Ilustração: José Ricardo Viana (projeto "Mentes Coloridas")

16 comentários:

Hannah disse...

La vida es así y nadie puede pretender que se paralice, que nos aguarde, que nos guarde todo aquello que al pasar por su lado no tomamos... Y sentirse culpable es absurdo. Buen conto, Silvio.

Un abrazo fraterno.

Hannah

Anônimo disse...

Tô gostando, tô gostando!!!

Wilton Chaves disse...

Bom dia!
Meu Caro Silvio, chegar aqui e encontrar com este conto, é a certeza de obter o prazer da leitura. Um conto interessante. Uma boa sexta. Um grande abraço.

Rosario Andrade disse...

Bom dia Silvio!
Um conto refinado e poderoso... mantem-nos atentos e na ansia ate ao final...

mal faca uma actualzacao dos meus links, linka-lo-ei. Adoro a sua escrita!

Querido Silvio, voce me fez uma pergunta num post la no I&I e nao tive oportunidade de responder. Faco-o aqui agora, se nao se importar. Perguntava voce acerca da minha regiao e das familias. Infelizmente, como sabe, vivo em Inglaterra e por isso nao poderei ajudá-lo como queria. No entanto, existe um site excelente sobre mirandes, creio que la encontrara contactos e podera indagar acerca da sua familia. O site é www.mirandes.net
Espero que a informacao seja util...

BOM FIM DE SEMANA!

Portobello disse...

Bonita historia me ha gustado y a pesar del idioma he captado lo principal. Un abrazo

Santa disse...

Que bom entrar aqui e encontrar a Hannah, o Marcelo, a rosário!!! Quero ver como vou arranjar tempo para ler todos os teus contos, poesias, visitar os amigos,... A coisa está ficando fora de controle. É muita gente boa no mundo bloggger. Beijosssss

PS: teu conto agradou por lá, também!!!

Lata Mágica Recife disse...

Saber escrever é uma dádiva, somado com o talento de cada um.

Drago disse...

si existen amigo son para siempre... en todas las circunstancias en todos los momentos...

chau nos vemos...

Jean Scharlau disse...

Perfis psicológicos bem definidos, uma história bem contada. Um homem forte: Alberto - e um fraco: Rogério. Alberto fez maravilhas e propôs-se fazer mais uma ainda (à parte o mérito na questão dos votos religiosos). Rogério, pusilânime diante do gigante Alberto, sequer confia na coesão do amor seu e de Graça - caso confiasse responderia à primeira frase de Alberto: - a encontrarás em minha casa, na casa dela, em tua casa. Casamos. Temos um filho, a quem demos o nome de Alberto, nosso melhor amigo. Isto, claro, seria outro Rogério o que renderia outra história. Que tal a proposta de que a escrevas?
Quanto ao Lula, escreverei. Obrigado pelo incentivo.

Anônimo disse...

Conto muito bem escrito, uma aula de narrativa.

Al Berto disse...

Viva Silvio:

Obrigado pela visita ao Estados Gerais.
Você já está linkado.

Gosto do modelo deste seu blog a exigir alguma entrega de sua parte.
Parabéns.

Um abraço,

Lata Mágica Recife disse...

Como é bom ler um bom texto.

Abraços dos amigos da lata

Willam & Odilene

Saramar disse...

Sílvio,meu querido, foi bom reler este conto para ver como o amor nos leva, às vezes, à verdadeiras armadilhas e pode sim, transformar a pessoa.

Beijos

+ Kazzx + disse...

CAro Silvio,

Estou acompanhando, realmente esta tua formula é de matar, o final pode ser tão belo ou tão estarrecedor, lidar com emoções humanas não é fácil, nem no papel...


Abçs

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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