17 julho 2006

Álbum - Última parte


Alberto estava lá, sorriso largo, corpo esguio como se o tempo não lhe pesasse. Abraçou-me com energia, demonstrando toda a alegria que sentia em estar novamente de volta à vida que deixara para trás naquela soleira ao desfazer-se de seu passado de amor.
- Alberto, vou te levar a minha casa!
Ele não esperou que eu insistisse e foi entrando no carro. Andamos pela cidade e ele foi lembrando de cada esquina e relatando cada lugar onde estivemos. Ao passar na frente de uma sorveteria, ele pediu para parar e me convidou para saborear um sorvete. De início não entendi, mas lá dentro, em frente ao sorvete de pistache com creme, ele me segredou:
- Foi aqui que conheci Graça.
Baixei a cabeça e nada disse. Ele notou que fiquei diferente e me convidou para irmos.
Chegamos à casa antes que Graça retornasse com o menino mais novo da escola. Os garotos mais velhos viriam depois, da universidade. Toda a casa denunciava meu amor a quem ele tanto sonhou nesses longos anos, mas ele não percebeu. A imagem de Graça, vinte e um anos atrás era o que lhe iluminava as noites de solidão. Na foto de casamento, na foto com os filhos, em nenhuma delas ele percebeu quem era ela.
Foi quando Graça entrou pela porta que os dois se encontraram em olhares. Ela deixou cair as compras que carregava no meio da sala e ele a fitou, como se fosse uma alma a ser salva. Ambos me olharam e eu olhei prá cima, como que procurando uma corda.
- Alberto, essa é minha esposa, a Graça - disse sem graça.
- Graça? Tu te pareces em muito com uma Graça que conheci nessa cidade há muitos anos atrás - ele, visivelmente abalado, falou sem pensar.
- Oh, Alberto! Tu continuas o mesmo.
- Desculpem os dois, mas não consegui contar antes - resmunguei.
- Tu continuas o mesmo - ela repetiu. Me assustei.
- Rogério, porque tu não me contaste? Eu teria ficado muito melhor se soubesse que a Graça teve sua chance de ser feliz!
- Tu continuas o mesmo... - será possível? Ela só vai dizer isso?
- Todos esses anos, sofri por ti, Graça. Sofri pela esperança que te tirei, pelos filhos que não tivemos...
- Tu continuas o mesmo, Alberto.
Enquanto ela falava, não percebia seus olhos. Em todos esses anos de amor, de vida a dois, nunca mereci aquele olhar suplicante, aquela voz fragilizada.
- Sim, o mesmo Padre Alberto! Foi um grande prazer encontrá-los juntos!
- Vai jantar conosco, padre? - perguntei como quem dispensa o convidado.
- Não, amigo, tenho que catequizar uma tribo indígena em Roraima amanhã de manhã.
Nos despedimos em seguida. Alberto continuava o mesmo, Graça continuava a mesma, eu continuava o mesmo.
Em todos esses anos de amor, por muitas vezes os olhos de Graça foram minha luz, mas desse dia em diante entendi conheci o brilho verdadeiro, a luz infinita que não me pertence. Volta e meia, quando ela olha pela janela, no horizonte para o fim da rua por onde ele se foi, faíscas aparecem, mas nunca em minha direção. Viverei minha covardia, minha inaptidão de ser amado como Alberto é.

21 comentários:

Santa disse...

Fico muito feliz sempre que visito este lugar tão especial, e hoje em particular, está silencioso. Feliz, por todos os motivos já revelados, e até por aqueles dos quais ainda não revelei. Vi de perto, os blogs nascerem, de parto difícil eu sei...Palavras que pareciam mais fragmentos de vida, guardados em gavetas, em velhos cadernos. Hoje, tomam universos poéticos, formas e imagens, que falam entre si, e não mais escolhem o lugar de guardar.

Beijos.

Portobello disse...

Pura vida. Que hermoso relato, que amor... Un abrazo desde España

Hannah disse...

Cómo la vida misma. Relato narrado con gran sensibilidad, cómo no podía ser menos, Silvio. Gracis por obsequiarnos con él.

Un abrazo fraterno

Hanah

Wilton Chaves disse...

Bom dia!
Meu Caro Silvio, um bom e interessante texto.Uma narrativa que desperta o prazer da leitura e muito bem escrito.Um grande abraço.

Jean Scharlau disse...

Parece-me que tiveste um pouco de pressa em resolver o conflito. No clímax do conto o anti climax. Mas bem realista. Na hora a gente faz o que pinta. Os atos aparentemente simples, curtos, deslocados, ecoam depois.

Rosario Andrade disse...

Bom dia Silvio!

... bela conclusao para o seu conto! A vida é mesmo assim... cheia de encontros, desencontros, perdas e compensacoes...

Abracicos!

Hannah disse...

Un cálido saludo a tod@s desde el otro lado del océano: os comunico que he creado otra bitácora. De momento estoy trasladando todos los post de Blogger a Blogia, pero, cuando termine la mudanza, será Blogia la que subsista. Me es mucho más fácil: puedo clasificar los post por temas; las instrucciones vienen muy claritas en castellano; la apariencia es más bella que la de Blogger y, además, puedo conservar mi nick de siempre, que es el nombre de mi abuela. ¡Todo son ventajas!

la URL: http://serrizomatico.blogia.com/

Así que os invito a pasaros por allí. Si lo deseáis ya podéis cambiar el link, ya que en Blogger no publicaré nada nuevo -sólo ocasionalmente-, y los post que voy publicando en Blogia, creo que son nuevos para ustedes.

Un abrazo entrañable.

Hannah

Lata Mágica Recife disse...

Oi poeta!
Vá no Lata Mágica, temos uma foto nova e uma matéria que saiu no site do gauchinho.
Nosso abraço de sempre.

Paulo Silva disse...

Meu caro silvio.
Obrigado pela participação na
campanha(uma frase um livro).
Como autor do mesmo fico satisfeito.
Pode-me encontrar tambem em:
www.cantpoeta.blogspot.com
Abraço.
PAULO SILVA.

Daniel J. Butzke disse...

Sílvio

tentei de tudo;
http://contoseencontros.blogspot.com
http://contoseencontros.blogspot.com/
http://www.contoseencontros.blogspot.com/

E não aparece na listagem/links

Daniel J. Butzke disse...

Descobri: faltava o sinal ">" :)

Anônimo disse...

Reencontros... Muitas vezes nos decepcionamos. Queremos encontrar aquela pessoa do passado, mas encontramos outra. Mudada pelo rio do tempo.

Al Berto disse...

Viva Sílvio:

Estas são as desvantagens de ser padre...católico.
Aqui até poderá ser colocada a questão de como será possível a um padre católico falar da família sem nunca a ter vivido.
Por outro lado o padre foi "catequizar" uma tribo indígena(???). Como catequizar?
Essa tribo indígena tem os seus usos e costumes que dispensam a presença de intrusos.
Foi devida a essa tarefa de "catequizar" que muitos indígenas foram martirizados e, inclusive, mortos.
Haveria mais para contar mas ficar-me-ia por aqui.
Este é aquele tipo de conto que desperta o interesse na sua dissecação ao ser lido com espírito crítico.

Um abraço,


NB: para evitar confusões direi que sou católico...de baptismo.

Mariana Sanchez disse...

Ô Silvio...
e desde quando literatura tem pátria?!
Bueno, pra todos os efeitos eu sou curitibana, mas não espalha pra ninguém..
:D
abrazos

Santa disse...

Sílvio
Desculpa se não estou comentando no blog como gostaria. O fisioterapeuta disse pra maneirar com a mão.

Beijinhos

Anônimo disse...

Olá, Sílvio!
Vc sumiu, deixou-me com meus relatos de um cotidiano que oscila entre o pueril e o muito pueril. Mas vim apreciar mais um conto seu. Já havia lido o início dessa história. E gostei do desfecho. O desalento de Rogério é bastante palpável e comovente.
Belo texto.
Bjs

Al Berto disse...

Viva Sílvio:

Aguardo sua visita no Estados Gerais.
O último post que coloquei vai concerteza, e irresistivelmente, merecer o seu comentário e dos amigos brasileiros que o visitem.

Um abraço,

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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