16 junho 2006

Atrás de seus olhos - Aparecida

Aparecida era como eu me chamava. Agora sou Jeniffer. Com dois efes. Cresci na mesma favela que a coitada da Nádia, que trabalha aqui nesse shopping. Passa o dia limpando a sujeira dos grã-finos. Eu preferi outra vida. Ganho dinheiro e me divirto. Nem todo mundo nasce com esse dom, esse corpo que faz qualquer um estremecer.
Freqüento o shopping porque aqui sempre tem muita gente solitária, apesar da multidão que anda por aí. Foi-se o tempo em que se conseguiam clientes na rua. Está tudo muito perigoso e não estou a fim de ser assaltada ou forçada a fazer de graça o que faço por dinheiro.
Ali está aquele velho com cara de mal amado. É um tipo que poderia render alguns trocados, mas além de nem olhar pra mim tem um jeito estranho... Na rua a gente desenvolve uns instintos de preservação e sem dúvida ele não me interessa.
Os meninos são uns duros, nem pensar. Só mesmo depois de uma noite com quatro ou cinco programas eu sairia com garotos para me divertir. Eles são rapidinhos, mas tem um calor que me deixa louca. Um deles me olha, quase babando, o outro nem me vê. Ahã, entendi... Ele não se interessa pela morena aqui e nem por outra qualquer. O negócio dele... Bem, talvez nem ele tenha descoberto ainda. Ih, o garoto virou refrigerante. Lá vai a trouxa da Nádia limpar o trabalho que eu mesma dei. Ele ficou todo atrapalhado quando eu passei e dei uma encarada nele.
O shopping está fraco hoje, domingo de sol. Cheio de velhos e crianças. Não vai render nada. Tem aquele outro com menino, com cara de casado. Deve ter a mulher em casa esperando. Bem gostoso. A Nádia não tira o olho dele. Parece puta. Era só o que me faltava, a mulatinha de cabelo ruim querer concorrer com a gostosa aqui. Só porque estudou um pouco mais que eu acha que pode...
Vou dar uma passada na frente do cinema. Hoje tem filme com sexo. Deve ter um monte de tarados querendo uma real. Além disso, se eu não der hoje, amanhã não pago o aluguel da peça onde moro. Claro que não posso levar ninguém lá, então preciso arrumar algum homem que tenha local ou pague um motel. Pra isso, tem que ter carro, porque ir a motel de ônibus não é com a Jeniffer com dois efes não.

5 comentários:

Roy Frenkiel disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Roy Frenkiel disse...

Ai se ve que atras do teus olhos, Silvio, ha muita humanidade!

Abrax

RF

+ Kazzx + disse...

Caro Silvio,


Não canso de elogiar teus textos, esta série está realmente maravilhosa, desculpe os comentários repetitivos, você precisa publicar isto (se é que já não publicou), parece brincadeira mas meus olhos já captaram isto no shopping também...que parece virou o mundo...

Abçs

Lata Mágica Recife disse...

Sílvio,
Estamos com uma nova exposição no Blog da Lata Mágica. Contamos com a sua visita.Um abraço.
William&Odilene

Wilton Chaves disse...

Olá!
Meu Caro Silvio, estou acompanhando, seguindo os olhares, sempre vistos por suas lentes sensíveis ao comportamento humano.Um grande abraço.w