12 junho 2006

Atrás de seus olhos - Anselmo

Costumo vir aqui almoçar uma vez por semana com meu menino, João Pedro. Desde a separação tem sido assim. Tento conversar, falar da escola, das coisas que ele gosta. Tomamos sorvete, vamos ao cinema, ao parque, ao zoológico, mas sou um pai pela metade. Menos que a metade. Tenho muito mais pai dentro de mim que ofereço ao meu filho. A separação foi difícil, dolorida, mas ela já não me amava mais e soube disso quando encontrou seu novo amor. Sobrei. Ainda durmo do mesmo lado da cama.
Faz um ano e ainda não estou confortável em amar de novo. Meu menino até me incentiva, me apresenta outras mães da escola que são separadas. Esse João Pedro... Nosso divórcio amadureceu demais nosso filho, mas isso não é de todo tão ruim.
Gosto de vir aqui com ele, gosto de vê-lo comer. Gosto de tomar sorvete com João Pedro. Ele suja o rosto, com tanto gosto que me delicia. Outro dia ele virou sorvete. A moça que trabalha na faxina, veio ajudar e foi muito simpática. Acho que se chama Neide... Neiva... Nádia. Nádia, isso. Não sou bom com nomes. Logo que ela veio, João Pedro me olhou com aquele olhar de cupido. Que coisa, esse menino! Ele sempre faz questão de cumprimentá-la. Tenho a nítida impressão que somos as únicas pessoas que freqüentam esse lugar que reparam em Nádia, essa mulata sorridente e prestativa. E bonita, nem sei se ela sabe disso...
Esses dois ali na outra mesa estão sempre rindo e brincando. Não devem ter preocupação nenhuma na sua adolescência. Saem com as meninas, riem, se divertem. Fazem um curso pré-vestibular onde o velho Robinson ainda trabalha. Desde meu tempo de estudante era ele que dirigia a escola e permanece no mesmo posto. Procuro sempre cumprimentá-lo no shopping, mas muitas vezes parece que ele nem me enxerga ou faz que não me vê. Coitado, deve ter uma vida vazia, pensando somente na escola e nos filmes que sempre está assistindo... Acho que ele me reconhece sim, pelo jeito que olha para o João Pedro.
Fico aqui com João Pedro reparando ao redor. Vejo aquelas senhoras de vez em quando. É bonito ver senhoras naquela idade rindo tanto, apesar de que hoje estão mais sérias. A Senhora Eulália Dupret é uma pessoa bem conhecida na cidade, não só pela obra assistencial, mas pelo sorriso cativante que empresta a todos. Onde passa deixa um pouco dele e assim, clareia os rostos mais sisudos. Ela me lembra aquelas artistas de cinema, que mesmo idosas não perdem o encanto. Aquele estudante ali deve ser bem próximo dela; não é a primeira vez que a vejo conversando com ele.
João Pedro me chama a atenção para a morena bem vestida que chegou. Até um pouco exagerada, apesar de que realça muito bem seu corpo nesse vestido vermelho. Provavelmente vá a uma festa. Tenho a impressão que já a vi por aqui mais vezes. Nádia a cumprimenta, mas parece que ela não repara. Pobre Nádia... Está sempre aqui e quase ninguém a vê. Há pouco limpava o chão e agora já está sorrindo. Ela é muito simpática. Será que ela sai tarde do trabalho? Vou conversar com ela. Ou, não... João Pedro me sorri como se lesse pensamentos... Vou até ela. Peço a João Pedro que me espere um minuto que já volto.

2 comentários:

Roy Frenkiel disse...

Pra variar, muito bons os insights existenciais e sentimentais de suas personagens.

Abrax!

RF

Anônimo disse...

muito boooooom!

adorei os entrelaçamentos...o blog ainda mais interativo do que já é!

pequenas grandes histórias do dia-a-dia.

um abração!