28 dezembro 2007

Outro lugar fora de mim - parte 6


De sua poltrona passou a vigiá-la. Cabelos negros, extremamente lisos, vistos de costas não eram capazes de ocultar o brilho verde-mar-do-caribe dos seus olhos. "Flush". Se ela não sabia o que era isso, teria sérios problemas com a língua em Nova Iorque. Será que ela ficaria na cidade ou seguiria para outro lugar? Só em pensar em habitar a mesma cidade que ela, causou-lhe um arrepio. Poderia encontrá-la em qualquer esquina perguntando o que era "flush". Imaginou dificuldades piores com o "push".


Era alta. Sua cabeça sobressaía entre os ocupantes das poltronas que os separavam. Ficava constantemente olhando pela janela, talvez pensando que aquele mar lá embaixo tinha a cor de seus olhos. Pensou em levantar-se e ir até lá explicar-lhe os segredos do idioma de Shakespeare e dizer que poderia defendê-la dos infortúnios que a esperavam entre o East e o Hudson River, mas não. Permaneceu ali hipnotizado pelo novo objetivo de deste lado de sua vida: reencontrá-la.


Estava numa outra dimensão. Nem escutou os sinais para colocar o cinto. Precisou que a comissária viesse até ele para alertá-lo. Será que ela havia entendido? Pensou alto ao que o senhor ao seu lado resmungou: "Pardon?".


A aterrizagem foi suave e em pouco tempo todos já se erguiam de seus lugares. Não houve tempo hábil para aproximar-se e descer do avião junto dela. Uma horda de pessoas idosas - seria uma convenção da terceira idade? - enfilerou-se no corredor que, se corresse, levaria até ela. Viu-a erguendo-se - como era alta! - sorrir para as duas pessoas que compartilhavam a fileira - como era lindo aquele sorriso! - e feito princesa ter o caminho desobstruído para sua passagem. Eduardo sentou-se e aceitou seu destino.


Cinqüenta e oito velhinhos depois, pode levantar-se e deixar o avião. Na chegada à imigração percebeu que ela passou sem esforço e sem inglês. Não havia muitas perguntas que fizessem a mulheres lindas. Por sua vez, depois de quase vinte minutos de espera, teve que dar uma entrevista a uma senhora negra de meia idade, extremamente distante nas palavras e próxima num hálito de Mac Donalds recém admitido entre seus excessos volumosos do quadril.


Já havia perdido a esperança de revê-la - que idade teria, o que faria na cidade? - quando chegou ao ponto de táxi e a encontrou novamente.


- Que bom que tu chegaste! Estava te esperando! - disse ela num gauchês perfeito - Como faço para chegar à Quinta Avenida?

-continua-

parte 1

parte 2

parte 3

parte 4

parte 5

imagem daqui

Um comentário:

Búfalo disse...

Olá Silvio,

Achei muito interessante o site. Perguntei de premiação porque justamente não é isso que eu quero, rss. Penso na divulgação de meus minicontos. Vou fazer um profile.

Valeu pelo toque,

Abraço,

Vicente.