03 novembro 2006

Enfim, Zulmira

Originalmente publicado em 19/01/2006

Dona Zulmira, Zulmira, Zuzu... Tanto faz, era assim que a chamavam.

Zulmira era uma mulher dada ao trabalho e à família. Acordava cedo, seis e trinta. Levantava antes que o marido e as duas meninas, para aprontar-lhes o café. O aroma invadia todos os recantos de seu lar, preparava as torradas no ponto para Jonas e tostadas para Pietra e Janice, as gêmeas de oito anos. Ia até o quarto e lembrava o marido que já estava em seu horário, com um leve beijo na testa. Para as meninas, abria a janela e deixava entrar o sol nascendo, ligava o aparelho de som com alguma música suave de agrado delas e anunciava, com sua voz melodiosa, que era hora de acordar. Em dez minutos todos estavam à mesa e discutiam os afazeres do dia.

Às sete e quinze, Zulmira tomava seu carro, Jonas o seu, e ambos iam para seus trabalhos, com as meninas no banco traseiro do carro de Zulmira. Jonas ainda acenava e jogava um beijo a distância, antes de dirigir-se à cidade. Moravam próximos à escola, no bairro seguinte em direção oposta ao centro da cidade, o que não dava dez minutos, tempo suficiente para que Dona Zulmira entrasse em sala de aula pontualmente.

Entre dúvidas de português e recortes de cartolina, suas crianças lhe observavam atentas a todos os detalhes e preparavam as lembranças para o dia das mães. No intervalo, encontrava-se com suas colegas para falar da novela do dia anterior, do Jorginho, aquele menino levado que só a Zulmira conseguia conduzir.

Às onze e trinta estava liberada, esperava as meninas e voltava para casa, a tempo de preparar o almoço e esperar por Jonas, que via de regra atrasava-se e chegava quase às doze e quinze. Zuzu, como ele a chamava, lhe recebia de avental, mas nunca sem seu perfume, para que Jonas lhe desse o seu beijinho nos lábios. Zuzu cozinhava muito bem, sempre dizia Jonas, seguido de uma breve risada, apresentando sua barriguinha que lhe já suplantava o cinto. As meninas brincavam, corriam, brigavam, mas quando Zuzu chamava era uma vez só e estavam à mesa para saborear as delícias que mamãe fazia. Eram lasanhas, assados, saladas bem postas, arroz não faltava e duas vezes por semana um feijão muito bem temperado, que só Zuzu conseguia fazer e não dava a receita!

Após o almoço, Jonas saía, dava-lhe o beijo suave de despedida na sua face e já levava as meninas para suas atividades. Nas segundas e quartas, faziam inglês para que pudessem competir no mercado de trabalho quando adultas, recomendava Jonas. Nas terças tinham balé e na sexta natação. Sobrava a quinta-feira para porem seus deveres em ordem, divertirem-se na piscina no verão ou convidarem alguma amiga para passarem as tardes brincando no jardim.

Bem, hoje era segunda-feira e Zulmira não poderia perder tempo. Lavava toda sua louça, tomava um banho e surgia Abigail, cheirosa, lasciva, lábios pintados, roupa justa, seios bem desenhados em seu decote ousado. Seus saltos altos eram de nove centímetros, o que não era necessário, pois com seus um metro e setenta e cinco já era bastante alta. Abigail pegava sua bolsa, seu carro e ia para a capital, a quarenta quilômetros, praticamente meia hora, onde tinha seu ponto e faturava uns trocados.

Jonas nunca desconfiou de nada. Apesar do salário de professora, conseguia manter seu carro novo, roupas novas, o perfume que Jonas adorava e até pagou a piscina! Era feliz assim, apesar de Zulmira ter sempre uma reclamação: não gostava de seu nome, porque desde seus tempos de menina na escola, sempre fora a última da chamada.

20 comentários:

greentea disse...

é linda a tua história! Quantas esposas-modelo se calhar não têm seu ponto para facturar mais uns trocados para levar para casa?...
Gosto da tua escrita!

Anônimo disse...

A sua Zulmira era danadinha, ne não? E o marido, como sempre, encantado com o "modelo" de esposa!!!Ah, os homens!
Gostei, Silvio: palavras amenas numa história de pecados.
Beijos, amigo... e apareça! Tô sentindo sua falta no meu canto.

ijreis disse...

Texto excelente!! Simples e ao mesmo tempo surpreendente... Adorei!!! Bjinhos...

Portobello disse...

Escribes muy bien los relatos, aunque es un idioma más desconocido para mi, deduzco esa historias bien contadas, y esta me ha encantado. La doble vida siempre ha sido motivo de las mejores historias y de la vida. Un abrazo Silvio

Rosario Andrade disse...

Querido Silvio,
Excelente conto, simples mas pertinente e socialmente mordaz! Quantas Zulmiras nao ha por esse mundo!... a sacrificar a saude ou a dignidade para manter as coisas nos eixos...

Abracicos!

Caiê disse...

Sabes que acredito nesta história, na vida real, e sem dificuldade? Os múltiplos papeis que fazemos estão, muitas vezes, bem escondidos...

Paulo Silva disse...

Um conto que para muitos é a realidade.

Blog do Arlan disse...

Caro professor e poeta,
Bom domingo, quando puder passe no meu blog para ver o post que fiz sobre a missão da NASA.

Rô Peixoto disse...

Ola... encontrei seu link no blog de uma querida amiga, ivana...
como sou curiosa e fico horas sem nada pra fazer no computador, resolvi entrar para ler e me deparei com a dona Zuzu... quem diria, ela tão recatada!hehe

Gostei muito do seu blog...e das galinhas verdes tbm!!

ijreis disse...

Tem novidade no Bom dia neurose... Passa lá... Bjinhos...

ijreis disse...

Ambas são representações de personagens reais, coisas que sabemos que existem mas na maioria das vezes não são de conhecimento geral... Mulheres incomuns e ao mesmo tempo comuns...

Tem mais a ver do que podemos imaginar!
Bjinhos...

Anônimo disse...

Caro Silvio:

Muito obrigado pela visita no gotas de fel e comentário, sempre te acompanho lá na Santa, mas nunca calhou de vir aqui, vim e gostei muito mesmo, e vai me falar que o marido não sabia, a piscina falou mais alto...tenho um blog de contos também, quando puder passa lá para uma visita...

Abçs

Marcos
www.gotasdefel.blig.ig.com.br
www.vinhoto.blig.ig.com.br
www.contosdefel.blig.ig.com.br

Ps - Que trilha sonora é esta??, Dire Straits, matou a pau!!!!!

Anônimo disse...

Saludos Silvio.

¡Qué bonito¡. Zenia desde:

http://imaginados.blogia.com

Anônimo disse...

É o que eu sempre digo: lavou, tá novo! :-) Belo, belo conto!!!

Débora Linden Hübner disse...

Oi Sílvio!
Belo texto! Não há dúvidas de que muitas são as Zulmiras por esse mundo afora...
Abraço!

Débora Linden Hübner disse...

Ah... não pude deixar de linkar também "Contos e Encontros" lá no "Vida em Versos"! :)

Lata Mágica Recife disse...

Poeta, estamos com novidades sobre os trabalhos do Lata Mágica.

O projeto Oficina da Prefeitura do Recife começou nesta quarta feira, estaremos dando aula no bairro da Torre, 30 alunos deficientes fisicos (cadeirantes), com 20 horas aula.

Já na cidade de Paulista, na associação de moradores de Arther Lungrem II, o predio não têm o minimo de condições para o trabalho, não têm agua e a luz é um gato que fizeram. Mas essas dificuldade nos deixa mais forte para percorrer os nossos objetivos.

Odilene&William

Anônimo disse...

Muito bom isso, toque de mestre o nome Abigail e o final da história, quantas iguais Abigail não existem por ai né?.
Quando eu crescer vou escrever assim. abraço, Tônio

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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