08 maio 2007

Noite

publicação original: 17/05/2006
[Starry Night - Vincent van Gogh]
Ela fechou os olhos e despertou. Ao seu lado, deitado em decúbito, aquele homem negro, de contornos definidos e o rosto virado para ela, deixando-lhe a pele aveludada ao seu alcance. Seu corpo exalava o odor do amor recente e facilmente lhe convidaria para lamber-lhe inteira, depois que um sorriso alvo e voz em sussurro lhe dissesse o quanto lhe amava.
Abriu os olhos e adormeceu. Ao seu lado, ele deitado com sua barriga peluda para cima, que sobrepunha à cueca escondida entre suas dobras. Seu corpo exalava um bife acebolado, um croquete da padaria, uma cachaça há muito tempo envelhecendo no seu próprio barril de cintura. Entre um ronco e outro, gemia como se lhe convidasse a vomitar.
Levantou-se da cama, acendeu um cigarro e foi à janela procurar um espaço para jogar-se.
Ele cerrou seus olhos e acordou-se. Ao seu lado, respirando suave, reinava estendida em seus lençóis aquela mulher de cor de canela, de seios firmes e carnes bem dispostas. Assim, deitada de lado, não disfarçava a curva do desejo que se estendia entre sua cintura e seu quadril, descendo pela coxa, deixando a vista seu tufo de veludo que parecia pulsar de desejo. Tirar-lhe desse encanto seria somente para trazer-lhe o gozo num corpo que vibrava ao simples acariciar de sua pele. Ansiou por vê-la sorrir e sem abrir os olhos, debruçar os lábios contras os seus.
Ergueu as pálpebras e desvaneceu-se perante a vista trágica daquele corpo branco, quase azulado de uma pele que mal cobria os ossos que agonizavam perante seu aroma de cigarro recém fumado. A carne murcha, pele vincada e um cenho sisudo, mesmo adormecido, poderiam fazer-lhe morrer de susto a qualquer madrugada. Entre um resmungar e outro, tossia num tom grave que só os fumantes moribundos atingem.
Saiu da cama, buscou o chinelo, foi até a cozinha e tomou um trago, na esperança de morrer engasgado.
A noite confunde o sonho, mas não afugenta o medo do escuro que habita quem entrega a vida ao pesadelo.

16 comentários:

Santa disse...

Sílvio, sua "Noite" é cinematográfica.

Bjs

Moita disse...

Silvio

Voca já sabe minha opinião.
tem que publicar em livros, se não, o problema é seu.

abraços

Patrick Gleber disse...

Silvio


O best-seller O Código da Vinci, já vendeu pelo mundo mais de 40 milhões de cópias, e é o precursor de inúmeros livros que abordam temas antes deixados de lado, como a Opus Dei da Igreja Católica.

Mas a polêmica maior do livro esta no trama do romance. Este envolve o personagem mais conhecido da humanidade, Jesus.

Mas por que tanto alvoroço por conta desta obra de ficção?

Veja o motivo no meu blog

www.pensarpolitico.blogspot.com

Caiê disse...

Tenho uma réplica deste quadro em casa - sempre me impressionou muitíssimo!
As tuas histórias também impressionam e muito... ;) A última frase desta acerta como uma facada.

Anônimo disse...

Silvio, triste e belo. A frase final é de arrepiar. Li A Era da Leviandade e lembrei que o primeiro álbum do meu filhote é daqueles antigos, com papel manteiga. Acho que evito a câmera digital justamente por isso. Prefiro fechar os olhos à fugacidade do riso.
Beijos,
bom findi pra ti e tua família

Moita disse...

Silvio

Genial, exprime tudo.

abs

Anônimo disse...

Muito bom, mas triste. Mas, mais triste ainda é alguém fechar os olhos à "fugacidade" do riso. Será que os abriria quando na "eternidade" das lágrimas?
Um beijo grande.

Anônimo disse...

Muito bom, mas triste. Mas, mais triste ainda é alguém fechar os olhos à "fugacidade" do riso. Será que os abriria quando na "eternidade" das lágrimas?
Um beijo grande.

Anônimo disse...

Acho que nao preciso acrescentar nada ao elogio do Moita.
Abrax!

RF

Anônimo disse...

ai

que tapa na cara, assim, sem esperar

casal mais triste...

vou me cuidar para não acabar assim.Eu juro que vou.

abraço

Moita disse...

Aguardando, na primeira fila, o próximo alencarino conto ou romance.

abraços

Anônimo disse...

Very best site. Keep working. Will return in the near future.
»

Adriana disse...

Esperança de morrer engasgado? Que triste.

P.S.: A lua cheia do teu perfil é divina! :)

Anônimo disse...

Adorei, não as cores esmaecidas de um final infeliz, mas a pincelada do autor sobre as cores tristes da vida...divina!

Saramar disse...

Sílvio, meu querido, perdoe-me. Estou em falta com você por minhas ausências.
Prometo me redimir, caso o senhor me dê o seu perdão, certo?
Serei uma leitora constante, como antes porque não posso perder mais essas histórias de vida com que você nos encanta.

beijos, saudades.

Kleber Cacossi disse...

Prezado Silvio, boa noite!
Muito bom! Excelente!
Voltarei aqui.