20 abril 2006

InSônia - parte I

[Campo de Flores sob Neblina, Ariadne Decker]

A cama lhe parecia imensa, às quatro horas de uma noite insone. Seus olhos lhe ardiam, embora as lágrimas já tivessem secado no travesseiro. Jurava que ainda sentia o calor dele ao seu lado, seu cheiro nos lençóis. Custava-lhe acreditar que fazia seis dias que ele morrera, com seu corpo dilacerado entre as ferragens do carro desfeito nas rochas, deixando-a com o peso das horas sobre seu corpo ainda jovem. Custava-lhe crer que deveria cuidar de seu filho sozinha, porque Gustavo nunca mais voltaria. Quando amanhecesse, já seria sete dias de ausência, sem sono completo, dor de cabeça constante.
Juliano dormira cansado de chorar, um choro sentido que lhe tirava da angústia de sua própria dor, essa mesma dor que ela calava o peito e lhe apertava a garganta e lhe enjoava o estômago e lhe trazia à tona mais e mais lembranças que volta e meia culminavam por senti-lo dentro dela, como se o gozo se estendesse mesmo após sua morte.
Suzana virava na cama, olhava pela janela e longe via o mar, que continuava lá, porém cinzento, sem brilho, sem ruídos. O que ouvia era o sono intranqüilo do filho pequeno, pouco mais de três anos de idade, que cresceria sem pai, aquele homem que brincava com todos. Conhecera ali mesmo, a poucas quadras, na baía norte, que margeava Flonianópolis e nunca mais serviria para as caminhadas de mãos dadas ao fim da tarde.
Gustavo, Gustavo...
Da cama via o barbeador sobre a pia do banheiro... Era como se ele viesse envolto na toalha e se despisse sobre ela para amá-la na madrugada, custando-lhe engolir os gemidos que poderiam acordar Juliano que dormiria no quarto ao lado.

7 comentários:

Caiê disse...

Custa muito, é certo, criar um filho sozinha. Mas é mais penoso ainda, julgo eu, criá-lo junto de quem não nos quer mais e nem quer o filhote.
:)

Moita disse...

Silvio

Belissimo texto, como sempre.
Especialmente, bem escrito.

Mas Oh! que saudade da Eleonor.

Abraços

Anônimo disse...

Ai, Silvio... Pegou na veia. Agrade'co os arrepios e as lembran'cas que me causaste :-)

RF

Roy Frenkiel disse...

Lendo seu comentario la no sitio, deixei resposta que considero particularmente pertinente, e se rimou e porque e verdade.

Forte abrax!

RF

+ Kazzx + disse...

Caro Silvio,

Triste, seco , sensivel e real...me agrada...parabéns

Abçs

Serjão disse...

Triste demais,cara. Chega a arrepiar. No aguardo da continuação. Abraços.

Portobello disse...

Que hermoso texto, corto pero intenso, y muy bien descrita esa sensación de insonnio doloroso...Beijos Silvio