04 maio 2006

InSônia - parte final

[Pôr do Sol - Ariadne Decker]



Naquela tarde, sentou-se com Juliano no tapete da sala e brincou de Lego. Montou um avião, montou um carro, tal qual o pai, que desmontara-se em outro, fazia pacientemente com o menino. Juliano não perguntava pelo pai, talvez porque quando tentou as lágrimas derramaram-se pela face de sua mãe e certamente não lhe agradara. Ele chorava, quieto na cama, no mesmo horário que o Gustavo lhe contava histórias.
Foi quando juntou a peça amarela, de oito pinos com outras duas azuis de quatro cada, que ela parou feito estátua. Ao vê-las encaixar, lembrou-se do acidente na volta da viagem a Blumenau, como ele havia lhe dito que faria, porém trancou o suspiro, deixou cair as peças no tapete para surpresa de Juliano e deu-se conta que o carro arrojara-se contra as rochas em Palhoça, no trecho sul da rodovia, sentido oposto ao da viagem. Levantou-se e olhou o laudo do legista que estava sobre a estante desde o primeiro dia de sua morte. Soube que as partes do corpo foram encontradas, com exceção da glande, que se desprendera de seu corpo. Lembrou-se da secretária que o acompanhava, entrando no hospital com partes do corpo de seu marido. De como Sônia foi levada também retalhada e não pode resistir à tentação de imaginar o falo que tanto lhe dera prazer jazendo decepado naquela boca. Lembrou do telefonema anônimo de voz enciumada, que lhe alertara sobre sua irmã e Gustavo que ela nunca entendeu. Agora, nesse instante, ela reconheceu a voz abafada e trêmula da secretária. Levantou-se, chamou pela irmã que chorava baixinho no banheiro. Precisando falar para alguém de sua suspeita, falou por trás da porta que já sabia de tudo. Ela chorou mais forte ainda.
Voltou-se a sentar com Juliano, enquanto ouvia a janela do banheiro se abrindo e o grito descendente de quem se atirava para a morte.
Gustavo, aquele filho da puta, comera sua irmã e deixara-se comer pela secretária.

10 comentários:

Anônimo disse...

Putz, que dureza essa trilogia, Silvio. E eu ainda fico associando à propaganda do Serenus (risos). Vim te ver, ler e agradecer a visita e o bom papo de ontem. Adorei o Me beija lá embaixo. Nossa, lindo!
Beijo,
Ana

Roy Frenkiel disse...

Olá, Silvio

Sempre comparecendo na expectative de suas crônicas, e este final é digno dos tímidos aplausos de quem acompanhou a trilogia. Fortíssimo o conto, claro, mas ao mesmo tempo, humano. O morto de especial só tem a morte, a aproximação do nada iminente a todos os seres vivos. Brilhante, Silvio.
Forte abrax!

RF

+ Kazzx + disse...

Caro Silvio,

Não adianta, depois de morto todo mundo vira santo...até o Gustavo

Abçs

lena disse...

sentei-me para te ler, tinha saudades

este conto é muito forte, mas tão bem escrito, brilhante como tudo o que escreves


beijinhos para ti e um abraço meu


lena

Anônimo disse...

Forte, trágico, surpreendente. Gostei, apesar de me causar um certo desconforto: corpos estreçalhados, dor, choro, luto. As dores do mundo estão presentes em seus contos, Sílvio. E eles são muito bons. Parabéns, amigo, um beijo.
PS: gostaria mto de ter uma opinião sua a respeito de meu conto "O Retrato de Dorianne". Pode fazer isso?

Anônimo disse...

Forte, trágico, surpreendente. Gostei, apesar de me causar um certo desconforto: corpos estreçalhados, dor, choro, luto. As dores do mundo estão presentes em seus contos, Sílvio. E eles são muito bons. Parabéns, amigo, um beijo.
PS: gostaria mto de ter uma opinião sua a respeito de meu conto "O Retrato de Dorianne". Pode fazer isso?

Moita disse...

Silvio

Esse foi mais pra Nelson Rodrigues do que pra Zé de Alencar, mas apenas prova que voce é bom em todos os estilos.

Siga escrevendo.
Um abraço

Portobello disse...

Vaya trilogía, triste y dura. Pero bien expresada con esas lágrimas e insognios... tus cuentos son muy especiales, esconden cierta tristeza. Un abrazo desde España

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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