21 dezembro 2006
Amnésia virtual - 2
contado por SV às 15:34 3 contando encontros
19 dezembro 2006
Amnésia virtual - 1
Ao abrir o arquivo digital de seu álbum eletrônico, não havia mais uma foto sequer. A princípio achou que fosse uma pane, nada mais que o velho control+alt+del não resolvesse. Lembrou que no notebook aposentado que estava no sótão havia boa parte das fotos que tirara entre 2003 e 2008. Foi até lá, revirou algumas caixas e lá estava a velha máquina ainda de tela de plasma, antiquada e sem 3D. As baterias ainda poderiam ser carregadas e pôs-se a resolver seu problema. Abriu o arcaico Windows Vista e lá estavam seus textos, planilhas..., mas nada de imagens.
contado por SV às 13:38 1 contando encontros
12 dezembro 2006
Parapeito - X
contado por SV às 08:24 0 contando encontros
04 dezembro 2006
Parapeito - IX
nota sobre os estereogramas:
Estereogramas são imagens que ocultam um efeito de 3D. Para visualizá-las, clique na figura para abri-la em tamanho maior, depois aproxime-se à tela, procurando seu próprio reflexo. Permaneça assim por alguns instantes até que uma imagem tridimencional comece a se formar. Associei essas imagens à personagem, que busca outra dimensão de suas fantasias na sua incessante procura pelo desejo.
Nos primeiros minutos, ela apenas pensava em chorar, ao dar-se conta de que era impossível ser expectadora na vida. O movimento no motel continuava e sua preocupação, agora, não era procurar ver e, sim, não ser vista. Depois de algum tempo, percebeu que não haveria como não ser notada pela luneta que vinha lhe observando há algum tempo. Procurou-a atrás da luz do poste que lhe ofuscava as vistas, mas nada pôde fazer. Quando já estava cansada de suas conclusões filosóficas, levantou-se e tentou abrir a janela, sem sucesso. Voltou a sentar junto à parede de sua janela e ficou imaginando a si mesma vista da janela da luneta. Primeiro ligou o som e começou a dançar languidamente. Começou por mostar o ombro e foi deslizando o hobby rosa pelo braço, segurando na altura do peito para dar mais emoção ao momento. Virou-se de costas, balançou a cintura, desceu todo o seu traje, deixando as costas de fora, virando a cabeço para mostrar seu rosto de prazer. Depois soltou a faixa da cintura e ficou segurando seu hobby aberto na frente, que estava direto para a parede deixando-o suspendo pelas mãos que o retinham na altura do quadril. Naquelas alturas, já tinha um enorme poá de rosa vivo e cintilante no pescoço, que ao deixar cair seu traje, cobriu-lhe os seios e seu sexo. Girou então suavemente fazendo o poá balançar ao vento deixando seu corpo à mostra por breves instantes. A música foi terminando e ela viu-se sentada no mesmo lugar de hobby entreaberto, quando uma escada apontou na marquise.
contado por SV às 08:16 2 contando encontros
26 novembro 2006
Parapeito - VIII
Estereogramas são imagens que ocultam um efeito de 3D. Para visualizá-las, clique na figura para abri-la em tamanho maior, depois aproxime-se à tela, procurando seu próprio reflexo. Permaneça assim por alguns instantes até que uma imagem tridimencional comece a se formar. Associei essas imagens à personagem, que busca outra dimensão de suas fantasias na sua incessante procura pelo desejo.
A fronteira entre a fantasia e o desequilíbrio mostrou-se real para Marieta naquele instante. Ao tentar resgatar seu binóculo que fora parar logo abaixo do parapeito de sua janela, na marquise do prédio, viu que estava sendo observada pela luneta no prédio quase em frente. Seu corpo oscilou para frente fazendo-a levantar suas pernas e deslizar para fora. Embora tivesse sido um movimento lento, houve tempo suficiente para seu roupão de cetim resvalar pelo seu corpo, deixando suas nádegas e metade das costas à mostra. O hobby, feito cortina, desceu pelo seu corpo encobrindo-lhe parcialmente o rosto, porém mantendo-se preso à cintura. Naquela posição desconfortável, apoiada com as mãos no piso, ao lado do binóculo que naquele momento parecia observar-lhe, não teve outra alternativa senão descer o resto do corpo, engatinhando pesadamente. Lá embaixo, ouvia a voz de Marialva e Adelaide, que iniciavam sua caminhada buscando a vã ilusão de manter-se em forma para o verão. Num instante, elas cruzaram a rua, em frente ao motel e de olhos espichados para dentro, nem perceberam o volume humano que já descia a segunda perna para safar-se da posição inusitada. Marieta nem havia se recomposto da queda, quando ouviu a persiana de vidro descer e fechá-la pelo lado de fora do apartamento. Não tinha coragem para olhar em direção à luneta, a única testemunha de sua malfadada sina de voyeur atrapalhada. Já iniciada a noite, o último clarão de sol já atravessara a fronteira do dia e pode sentir-se oculta na escuridão, enrolada na sua roupa, agora acinzentada pela ausência de luz, em frente ao hotel que não a via e muito perto de alguém a quem agora se expunha. O poste em frente acendeu sua luz e ela agora estava na ribalta que não lhe pertencia. Na sua pior fantasia, não se veria em tão maus lençóis.
contado por SV às 11:23 0 contando encontros
24 novembro 2006
Parapeito - VII
Ainda com o echarpe no pescoço e o velho hobby que estava mais à mão foi atender a porta na expectativa que suas fantasias deixaram repousar pelo apartamento. Adelaide e Marialva, duas de suas colegas e amigas, vieram buscá-la para a caminhada que combinaram à saída do laboratório, quando sua mente já estava noutro lugar. Olharam de cima a baixo e perguntaram onde ela pretendia caminhar naqueles trajes. Ela tentou dissimular uma dor de cabeça que não combinava com o enfeite rosa choque no pescoço e com a mão na testa utilizou-se da surrada desculpa da dor de cabeça. As amigas, socadas em suas malhas justas, desejaram melhoras, entreolharam-se e partiram.
contado por SV às 08:34 5 contando encontros
20 novembro 2006
Parapeito - VI
A enxurrada de fim de tarde atrasou-lhe o retorno para casa. Depois de um dia inteiro examinando excrementos humanos, sangues doentes e urinas fétidas, corria para seu apartamento para saborear seus desejos, feito doce em manhã de páscoa.
contado por SV às 18:25 3 contando encontros
17 novembro 2006
Parapeito - V
O binóculo foi presente de seu amigo por ter ido junto à parada gay. Disse-lhe que gostava de olhar a paisagem e herdou a relíquia rosa. No fim de tarde abafado, onde nem os pássaros se animavam a cantar, ela suava em sua janela com o novo equipamento em sua mão. Podia ver detalhes daqueles que se aproximavam da entrada do motel como nunca teria imaginado antes.
Marieta observou o homem cabeludo, de bigode e costeletas com barba por fazer, aparentando trinta e poucos anos. Para sua surpresa ele estava sozinho no carro. Baixou o binóculo e viu escrito no pequeno Fiat Uno: "Desentupidora Talimpo". Já estava buscando outro carro, quando sua mente vou de si e despiu-se para esperar o serviço no quarto. Ele entrou com seu macacão com ferramentas penduradas, aberto até quase a cintura, deixando a mostra a pele bronzeada forrada de densos pêlos negros. Marieta, deitada na cama redonda, pediu que lhe mostrasse os instrumentos e para o que servia, ao que ele foi generoso e prestativo. Depois da chave inglesa, ela quis saber o que mais ele trouxera dentro do macacão, que marcava por fora da roupa. Ele desafiou sua curiosidade e pediu que ela descobrisse por si, tateando o volume. Ela chegou mais perto e pediu para espiar para dentro da roupa no mesmo instante em que a mesma luz do dia anterior ofuscou-lhe os olhos e derrubou-lhe das nuvens. Procurou pelo binóculo que pendia em seu pescoço suspenso por uma fita de cetim prateada, do jeito que ganhou de seu amigo e buscou identificar de onde vinha o raio de luz, no prédio quase em frente, ao lado do motel. Descobriu uma luneta em sua direção.
contado por SV às 08:21 6 contando encontros
16 novembro 2006
14 novembro 2006
Parapeito - IV
Era um carro grande e confortável e, para sua surpresa, cheio. No mínimo cinco pessoas pararam na portaria, pediram um quarto e entraram. Ainda teve tempo de abrir a porta trazeira e espremer-se entre os três homens que lá estavam, todos entre vinte e trinta anos, sendo um negro de altura mediana, um muito branco com uma barba avermelhada e outro que contrastava seu rosto com traços indígenas num corpo alto e musculoso. No banco da frente, no lado do caroneiro, outro rapaz mulato, com sorriso alvo, um brinco pequeníssimo no lado esquerdo. Todos com corpos impecáveis, dentes, olhos, músculos, pernas. No banco do motorista uma mulher bem tratada, entre quarenta e cinquenta anos, cabelos longos, pintados de um loiro dourado que contrastava com a pele bronzeada. Marieta era a última no trenzinho que entraram no quarto, já sem roupa. A um sinal da mulher locomotiva, a força foi invertida e Marieta passou a puxar o comboio, com o negro corpulento a segurar-lhe a cintura encaixando seu corpo ao dela. Circularam a cama king size e foram se enrolando um no outro, pernas sobre peitos, sexos expostos, línguas roçando pelos corpos, beijos que surpreendiam partes do corpo nunca antes exploradas. Quando tinha o barba ruiva afundado entre suas ancas, o negro a beijar-lhe os seios, enquanto o mulado lhe beijava a nuca segurando-lhe pela cintura e o índio a mordicar-lhe o pé direto enquanto o esquerdo descançava sobre o sexo dele nada descançado, lembrou-se da mulher e a viu aproximar-se para beijar-lhe a boca. A imagem da mulher a fez deixar seu sonho e não conseguiu mais voltar à fantasia, até porque, naquele momento, o sol se punha e refletia numa estranha luz que rebatia no prédio quase em frente e lhe ofuscava a visão feito farol em mar aberto.
contado por SV às 07:58 6 contando encontros
10 novembro 2006
Parapeito - III
Naquela noite, mal havia se acomodado, quando tocou a campainha e para sua surpresa, suas quatro colegas de trabalho adentraram o apartamento cantando parabéns, com um bolo, algumas cervejas e salgadinhos. No início não entendeu o que ocorria, pois fazia algum tempo que não contava os anos. Eram, na verdade, três mulheres e um gay, mas ao seu nível de proximidade tratavam-se no mesmo gênero. Eram as quatro um grupo muito próximo e ela um quinto elemento, preservando a distância que sempre a manteve longe das pessoas e próxima a suas fantasias.
Ela deu ainda uma rápida olhada pela janela, onde podia ver que o movimento no motel já se iniciara. Deu um suspiro, abriu um sorriso meio de agradecimento, meio de obrigação e as convidou a sentar. Ficou em sua cadeira e entre um salgadinho e um gole, espiava para fora sua noite de sonhos perdidos.
contado por SV às 08:33 3 contando encontros
08 novembro 2006
Parapeito - II
contado por SV às 08:23 5 contando encontros
06 novembro 2006
Parapeito - I
(imagem tomada emprestada daqui)
Marieta vivia só, se não contarmos suas fantasias, que encheriam várias camas. A cada casal que entrava, de certa forma ela ia junto. Seus olhos acompanhavam o veículo e podia sentir-se sentada dentro dele, no meio deles, fosse quem fosse. No inverno providenciava uma manta para apoiar-se no parapeito e manter os seus aquecidos. Qualquer resfriado poderia tirar-lhe de seu camarote e isso era impensável.
E Marieta via cada uma...
contado por SV às 18:28 2 contando encontros
03 novembro 2006
Enfim, Zulmira
Dona Zulmira, Zulmira, Zuzu... Tanto faz, era assim que a chamavam.
Zulmira era uma mulher dada ao trabalho e à família. Acordava cedo, seis e trinta. Levantava antes que o marido e as duas meninas, para aprontar-lhes o café. O aroma invadia todos os recantos de seu lar, preparava as torradas no ponto para Jonas e tostadas para Pietra e Janice, as gêmeas de oito anos. Ia até o quarto e lembrava o marido que já estava em seu horário, com um leve beijo na testa. Para as meninas, abria a janela e deixava entrar o sol nascendo, ligava o aparelho de som com alguma música suave de agrado delas e anunciava, com sua voz melodiosa, que era hora de acordar. Em dez minutos todos estavam à mesa e discutiam os afazeres do dia.
Às sete e quinze, Zulmira tomava seu carro, Jonas o seu, e ambos iam para seus trabalhos, com as meninas no banco traseiro do carro de Zulmira. Jonas ainda acenava e jogava um beijo a distância, antes de dirigir-se à cidade. Moravam próximos à escola, no bairro seguinte em direção oposta ao centro da cidade, o que não dava dez minutos, tempo suficiente para que Dona Zulmira entrasse em sala de aula pontualmente.
Entre dúvidas de português e recortes de cartolina, suas crianças lhe observavam atentas a todos os detalhes e preparavam as lembranças para o dia das mães. No intervalo, encontrava-se com suas colegas para falar da novela do dia anterior, do Jorginho, aquele menino levado que só a Zulmira conseguia conduzir.
Às onze e trinta estava liberada, esperava as meninas e voltava para casa, a tempo de preparar o almoço e esperar por Jonas, que via de regra atrasava-se e chegava quase às doze e quinze. Zuzu, como ele a chamava, lhe recebia de avental, mas nunca sem seu perfume, para que Jonas lhe desse o seu beijinho nos lábios. Zuzu cozinhava muito bem, sempre dizia Jonas, seguido de uma breve risada, apresentando sua barriguinha que lhe já suplantava o cinto. As meninas brincavam, corriam, brigavam, mas quando Zuzu chamava era uma vez só e estavam à mesa para saborear as delícias que mamãe fazia. Eram lasanhas, assados, saladas bem postas, arroz não faltava e duas vezes por semana um feijão muito bem temperado, que só Zuzu conseguia fazer e não dava a receita!
Após o almoço, Jonas saía, dava-lhe o beijo suave de despedida na sua face e já levava as meninas para suas atividades. Nas segundas e quartas, faziam inglês para que pudessem competir no mercado de trabalho quando adultas, recomendava Jonas. Nas terças tinham balé e na sexta natação. Sobrava a quinta-feira para porem seus deveres em ordem, divertirem-se na piscina no verão ou convidarem alguma amiga para passarem as tardes brincando no jardim.
Bem, hoje era segunda-feira e Zulmira não poderia perder tempo. Lavava toda sua louça, tomava um banho e surgia Abigail, cheirosa, lasciva, lábios pintados, roupa justa, seios bem desenhados em seu decote ousado. Seus saltos altos eram de nove centímetros, o que não era necessário, pois com seus um metro e setenta e cinco já era bastante alta. Abigail pegava sua bolsa, seu carro e ia para a capital, a quarenta quilômetros, praticamente meia hora, onde tinha seu ponto e faturava uns trocados.
Jonas nunca desconfiou de nada. Apesar do salário de professora, conseguia manter seu carro novo, roupas novas, o perfume que Jonas adorava e até pagou a piscina! Era feliz assim, apesar de Zulmira ter sempre uma reclamação: não gostava de seu nome, porque desde seus tempos de menina na escola, sempre fora a última da chamada.
contado por SV às 07:22 20 contando encontros
31 outubro 2006
Laboratório Literário - final
São Paulo, 31/10/2006, névoa, 21ºC
Do alto do Anhangabaú, fumando se cigarro, ela relembrava seus últimos dias, com a sensação de tristeza e liberdade. Na noite que o encontrou na casa de seus pais, não era ele o mesmo homem que frequentava suas saudades, aquele que deixara em casa com seu filho há exatos dez anos atrás, na manhã do acidente. Agora, era um homem taciturno, amargo e distante. Ele contou-lhe de como havia saído da casa para comprar o leite, deixando seu filho dormindo por alguns instantes e o que sucedera-se nos minutos seguintes. Criou um vazio mental de dois anos, que só foi reacendido ao ser encontrado pelo pai mendigando pelas ruas. Foi reconstruindo suas lembranças, onde ela fazia parte das feridas, por isso nunca quis procurá-la. Ela escutou com amargura, lembrou do peso da morte que havia sentido por ele, lembrou da fuga obscura que procurou nas drogas e na bebida, lembrou do filho carbonizado, lembrou do adeus que nunca foi dado. Após visitarem o túmulo, juntos e distantes, ele passou a falar da indenização que poderia receber pela morte do filho e dele próprio, haja visto que fora dado como morto. Antes de vomitar, ela apenas pediu que lhe desse alguns trocados e que ela teria que voltar outro dia. Ele deu-lhe cem reais e ela se foi, sem que ele perguntasse qualquer coisa sobre sua vida.
Olhando de cima daquele lugar, inangurou seu primeiro dia de vida após dez anos, ao jogar seu cigarro no viaduto e ver o ônibus que passava estraçalhá-lo. Ao seu lado, seu novo amor, que lhe apoiou apenas pelo brilho de seus olhos, sem cobrar-lhe nada, sem perguntas.
E a indenização da companhia aérea? Sim, iria buscar. Afinal, fora viúva por dez anos, morrera de amor e perdas durante todo esse tempo.
+++++
Amigos, fecho aqui o laboratório. Foi uma aventura interessante, onde podemos exercitar expectativas perante pessoas imaginárias, num fundo histórico, que não foi premeditado. Ao buscar a história do personagem, tentar colocá-lo na sua idade, acaba-se por resgatar eventos reais. Assim, ela acabou frequentando as passeatas que derrubaram o presidente Collor, em 1992, e um acidente aéreo de grandes proporções que efetivamente ocorreu com o Fokker 100, da TAM, ao decolar do aeroporto de Congonhas, em 31/10/2006.
Poderia ter rendido mais, porém ficamos poucos participantes a levar a estória. Agradeço a todos que participaram, principalmente ao Tônio que nunca ausentou-se.
... e segue o blog!
contado por SV às 07:55 3 contando encontros
26 outubro 2006
Laboratório Literário - VI
Estação Jabaquara, metrô de São Paulo, 27ºC
Na saída da estação, ao final da tarde, o tempo abafado com vento fraco e úmido que vinha de noroeste prenunciava a chuva que não tardaria a chegar. Acendeu seu cigarro e seguiu até a rua Luís Orsini de Castro, 372, muito próximo ao local onde, em 31/10/1996, saía de casa para o trabalho e avistou aquele enorme avião voando muito baixo até arrebentar-se contra as casas, inclusive a sua, onde seu marido e seu filho ainda dormiam. Era a primeira vez que voltava a São Paulo depois do enterro do menino e da busca pelo corpo do homem, que ainda muito jovem a trouxera para essa selva de alfalto e concreto, depois de terem se conhecido num encontro estudantil, em 1992, quando de caras pintadas ajudaram a derrubar um governo.
Da estação até o endereço, foram menos de quinze minutos, porém sua vida andou dez anos até parar diante daquele lugar que lhe havia sido indicado por um telegrama sucinto: "Venha pt notícias passado pt" assinado pelas iniciais do nome de seu marido desaparecido.
Estava a apenas duas quadras de seu antigo endereço e reconheceu o número 372 como sendo a casa de seu ex-sogro e soou a campainha. Na fresta da janela, atrás de uma cortina, aquele rosto conhecido, sofrido, amargo não lhe lembrava em nada a fisionomia feliz de dez anos atrás. Ele foi até a porta, liberou o portão e a convidou a entrar.
++++++
Pois bem. Ela reencontra o marido dez anos depois. Quanta coisa a explicar...
1 - Ele a abraça ou a trata com distância?
2 - Ele a convida para rever seu antigo endereço ou vão ao túmulo do filho?
3 - Ela fica com ele ou volta até o apartamento do homem que a acolheu quando sua moto foi roubada?
contado por SV às 18:58 2 contando encontros
24 outubro 2006
Laboratório Literário - V
Edifício Copan, São Paulo, 23 de outubro, 18ºC
Fumando um cigarro, do alto do vigésimo quarto andar, ela observa cidade imensa e sente-se um grão de areia no deserto. O sol lhe ofusca a visão e antes da última baforada ela olha para a cama desfeita e recorda de suas últimas noites de amor.
Desde que roubaram sua motocicleta na chegada da cidade, sob frio e chuva, sentiu como se caísse num enorme fosso.
Sob o néon de cerveja a cintilar em suas lágrimas, desistiu de tudo. Levantou-se do meio-fio onde chorara as últimas lágrimas que trouxera do sul e voltou ao bar, na ânsia de afogar-se numa cerveja, ou qualquer outra bebida que seus trocados alcançassem. Para sua surpresa, ele também voltou para buscar o casaco esquecido e se viram de novo. Como uma criança perdida e na aflição de quem está a beira do abismo procurou seus braços e ele a aconchegou até que ela recuperasse a voz e relatasse o que aconteceu.
Sua sina trazia-lhe por rumos e perdas, porém agora lhe mostrou uma nesga de luz. A carona à São Paulo seria um pretexto para o destino levá-la ao Copan, no apartamento onde ela voltou a sentir o prazer há tanto tempo sufocado em desalentos. O ruído das buzinas e do trânsito soaram com melodia. Primeiro sentiu um chão sob seus pés, para em seguida sentir flutuar em sensações.
Mas o tempo não espera... Ela teria que seguir os passos que lhe trouxeram até ali. Desde aquela manhã de 1996 em que viu o avião chocar-se contra sua casa, apenas pôde enterrar seu filho pequeno e nunca mais soube de seu marido. Era hora de procurar pelo endereço. Era hora de fechar os parênteses e retomar sua trilha. Era hora de trabalhar, sobreviver e para isso buscou novamente o papel amassado no bolso das calças caída no chão sob as dele.
++++++++
Amigos, as idéias oferecidas ficaram um tanto dispersas dessa vez e tive que montar meu quebra-cabeças com as peças que me deixaram.
Agora, o ponto é esse:
1 - Ela ganha um nome ou continuamos tratando-a em terceira pessoa?
2 - O que aconteceu com o marido após o acidente aéreo?
3 - Ficou óbvio que sua subsistência está relacionada com o endereço que trouxera. Que endereço é esse?
contado por SV às 07:00 3 contando encontros
20 outubro 2006
Laboratório Literário - IV
Taboão da Serra, SP, 19/10/2006, 17ºC, chuva.
No terceiro dia de viagem, o dinheiro já estava no fim e os lanches rápidos e frutas furtadas na estrada já não saciavam sua fome. Os out-doors de cerveja lhe chamavam a cada curva e isso lhe assustou. Há três anos não reparava mais nelas. Próximo a São Paulo, noite de chuva fina, que entrava por cada fresta de sua jaqueta de couro, obrigaram-na a parar e comer um prato feito.
Na mesa ao lado, ele cravou-lhe os olhos de ébano, enquanto ela tirava seu capacete e soltava seus cabelos castanhos, que com a umidade ficavam ainda mais crespos. O rapaz de sorriso alvo e pele negra, sorriu-lhe e convidou-a a sentar-se com ele mostrando-lhe a cadeira vazia, que lhe era um convite após dois dias que mal dormiu em abrigos precários e minutos sumários.
Conversaram como se conhecessem-se há muito tempo, ela falou de sua volta a São Paulo, ele falou de seu trabalho com vendas no interior, ela falou de sua moto, ele falou se seu cabelo, ela falou de seus olhos, ele não falou mais nada. Prometeram se encontrar de novo e ela sentiu-se amparada.
Antes de seguir viagem, fumou seu penúltimo cigarro, procurou no bolso trazeiro o bilhete com o endereço no Brás, pegou seu capacete rosa, saiu pela porta e não encontrou mais sua moto.
++++++
Amigos, Florianópolis é encantadora, mas não podemos viver todas as vidas numa só. Ele chegou na sua vida como quem surge numa chuva fina, quase neblina.
Deixo os próximos desafios:
1 - Volta e pede uma bebida ou chama a polícia?
2 - Consegue ainda encontrar com o rapaz ou pega carona para São Paulo num caminhão?
3 - Vai ao endereço que tinha ou a outro lugar?
contado por SV às 08:24 8 contando encontros
17 outubro 2006
Laboratório Literário - III
Madrugada de 17/10/2006, Rodoviária de Porto Alegre, 14ºC:
Ela espreitou de dentro do banheiro imundo, e viu a velha gorda e cega que estava sentada rente a porta, trocando pedaços pequenos e ásperos de papel higiênico por alguns trocados. Vasculhou no bolso de sua calça e encontrou algumas moedas que seriam inúteis para comprar o cigarro que não saía de sua mente. Ao passar pela mulher, largou suas moedas e pegou duas notas de dois reais. O caso era urgente, não era hora para misericórdias. A velha ainda lhe disse um “Deus lhe pague” mecânico, vazio como palavras ditas ao vento em noite de tempestade.
Na saída da rodoviária, checou na bolsa seus cem reais tomados emprestados do cunhado, que deveria servir para chegar a São Paulo em sua moto de impostos vencidos e tanque pela metade. Na madrugada, quando saía de Porto Alegre, os faróis jogavam flashes sobre a Vila dos Papeleiros, que contrastava com a opulência de uma cidade que lhe negava futuro. Não tinha tempo para saudades, não tinha saudades do tempo em que tentou de tudo para viver, do lugar onde safou-se das drogas e do álcool, mas não conseguiu escapulir das armadilhas que o destino lhe pregava. Era o Rei Midas ao contrário: a Rainha Merda.
+++++
Iniciamos nosso laboratório. Até ontem à noite, fui dormir pensando no cara, na rodoviária. Abro minhas mensagens hoje e vejo que a estória tomou outro rumo, como deveria ser. Dos cinco posts, três pediram por uma mulher. Aeroporto e motocicleta passaram a frente da rodoviária, mas optei pela motocicleta. A noite foi vencendora por três votos.
Deixo as próximas questões:
1. Florianópolis, São Paulo ou retorna Porto Alegre
2. Encontra ele, ela ou fica só
3. Clima romântico, golpe ou atrito de idéias
contado por SV às 09:02 6 contando encontros
16 outubro 2006
Laboratório Literário - II
Abro hoje uma série incompleta: o laboratório literário. Vou à frente, chamando a estória que será erguida pelos próprios leitores.
A idéia básica é de um conto que está ocorrendo concomitantemente, no mesmo espaço de tempo entre as publicações. É algo vivo: a partir de algumas perguntas, ao final de cada post, vamos construindo tudo, seja tema, personagens, ambientes. Os próprios comentários nutrirão o próximo post de acordo com as questões deixadas.
Pretende-se que seja bissemanal, às terças e sextas-feiras.
Quem se habilita? O acesso é livre a qualquer tempo, assim como a vida, que, quando menos se espera se ganha ou se perde, muda de rumo.
Deixo o primeiro desafio:
1 – ele ou ela?
2 – aeroporto, rodoviária ou motocicleta?
3 – sol, noite ou tempestade?
contado por SV às 07:00 5 contando encontros
10 outubro 2006
09 outubro 2006
A Olho Nu - última parte
No teu cabelo macio
Sinto o cheiro de chá
Pode ser camomila
Pode ser maracujá
Sinto o cheiro de cio
Que há no teu gosto do mar
Brotando na tua pupila
Oculta no toque macio
Quando tu queres amar
contado por SV às 18:37 3 contando encontros
A Olho Nu - 7ª parte
Assim fui me construindo. Feito tijolos, meus gestos acumularam volumes diferentes, meus ouvidos vibraram onde ninguém mais percebia, minha língua distinguiu os temperos e meu olfato me guiou muito além do que os olhos podem enganar.
Tenho uma vida pela frente e o que vejo ninguém vê. Traço dos sons à distância e das sensações na pele percebo o que há depois. Por isso escrevo meu jeito de dizer o que vislumbro.
contado por SV às 07:32 1 contando encontros
05 outubro 2006
A Olho Nu - 6ª parte
contado por SV às 07:29 1 contando encontros
02 outubro 2006
A Olho Nu - 5ª parte
contado por SV às 10:22 0 contando encontros
29 setembro 2006
A Olho Nu - 4ª parte
Ah, havia ainda a Dona Francisca, que ajudava nos afazeres domésticos e me ensinou os sabores mais deliciosos que eu posso lembrar. Uma amiga de minha mãe, certa vez, comentou que a Tia Chica, como a chamávamos, era uma negra muito simpática. Mais tarde minha mãe me explicou o que era negra: era alguém que tem pele como a noite. Até hoje, ao passear pela madrugada, sinto os aromas e os gestos suaves da Tia Chica a me guiarem.
contado por SV às 18:17 4 contando encontros
28 setembro 2006
A Olho Nu - 3ª parte
contado por SV às 08:40 1 contando encontros
26 setembro 2006
A Olho Nu - 2ª parte
contado por SV às 18:03 1 contando encontros
25 setembro 2006
A Olho Nu - 1ª parte
Nunca tive a sensação da visão e por isso não sinto falta. O mundo é composto de aromas, sons, sabores e texturas. Nem tente me explicar como é ver, porque não tenho absolutamente qualquer possibilidade de imaginar o que seja.
contado por SV às 17:48 1 contando encontros
22 setembro 2006
Súbito
contado por SV às 08:19 5 contando encontros
19 setembro 2006
Fala, Matilde - última parte
contado por SV às 08:46 4 contando encontros
14 setembro 2006
Fala, Matilde - 7ª parte
- A Betinha é atriz de filme pornô.
Quando ela voltou à sala, sem que tivesse ouvido o relato seco de sua mãe adorada, todos a esperavam de boca entreaberta. A irmã cutucou seu marido e o convidou para irem-se embora, as sobrinhas queriam saber mais de sua carreira e os primos correram para a Internet.
contado por SV às 08:10 5 contando encontros
11 setembro 2006
Fala, Matilde - 6ª parte
A família, em menos de duas horas, se reuniu na grande sala da casa de Dona Matilde, prepararam um jantar de cinema e trouxeram dona Matilde para a mesa. Quando todos estavam sentados, Betinha fez uma manifestação de apoio à mãe enferma e de agradecimento por reunir a família. Foi no meio do discurso emocionado, que a vovó voltou a atacar:
- A senha da conta no banco suíço é 63496BGWEY37AQ.
De um silêncio contemplativo inicial, houve um alvoroço por canetas, que chegaram atrasadas para o resquício de memória imediata de todos. Dona Matilde ainda levantou-se, bateu palmas e mijou-se.
contado por SV às 09:41 4 contando encontros
07 setembro 2006
Fala, Matilde - 5ª parte
Estavam justamente no quarto, Alzira, a filha que levara a mãe à consulta onde o Mal de Alzheimer havia sido diagnosticado, seu marido Norberto e o seu filho mais velho, Genivaldo Neto, que, embora fosse o candidato mais provável à herança política do deputado, era visivelmente efeminado, isso para não dizer que seu armário já tornara-se pequeno para seus instintos. Geninho, como a mãe o chamava, comoveu-se com a declaração da avó, chorou entre risos de cumplicidade e disse:
- Papai, mamãe, eu sou gay! - e abraçou-se emocionado na mãe e no pai, sob os olhos distantes da avó.
Dr. Norberto ficou estático perante aquela singela declaração e viu confirmar-se suas suspeitas tantas vezes sufocada. Dona Alzira, ao contrário, abraçou demoradamente o filho que finalmente assumira sua condição sexual, com a ajuda fortuita de uma vó catatônica. Durante aquele abraço de compreensão para eles e de perplexidade do pai, olharam para a avó demoradamente, até que a filha indagou:
- Mamãe?! A Tia Eulália não é a falecida Irmã Consolação?
contado por SV às 11:55 5 contando encontros
04 setembro 2006
Fala, Matilde - 4ª parte
A família começou a temer levar a matriarca para locais públicos, mas não teve como evitar que ela estivesse presente no enterro da filha Joice. E justamente quando descia o caixão, entre choros comovidos dos filhos, noras e netos, que Dona Matilde resolveu manchar de vez o nome e a reputação do seu falecido Genivaldo, o deputado que tanto orgulho trouxe à cidade. O viúvo, ex-prefeito e braço direito do deputado, não conteve a ira e gritou:
- Será que não dá para calar a boca dessa velha?
A irmã e o irmão da mais nova falecida da família, protestaram pelo desrespeito, mas em voz baixa, porque também estavam agora ofendidos. Resolveram então que, a partir daquele dia, Dona Matilde ficaria apenas em casa, no máximo um banho sol de uma hora por dia.
contado por SV às 08:40 4 contando encontros
31 agosto 2006
Fala, Matilde - 3ª parte
Dona Matilde, a viúva mais apaixonada, depois de dez anos de luto do Deputado Genivaldo Correia Dornelles e Castro, resolveu confessar sua traição tão bem guardada. Foi durante a missa de Ramos, justamente durante o ofertório, antes do sino bater confirmando a palavra do Senhor. Sua voz, muda já há algumas semanas, ecoou pela nave principal da catedral e perdeu-se no burburinho que se seguiu. Sua filha mais velha, Joice Dornelles e Castro Monteiro, aquela que por muito tempo havia sido a primeira dama do município, levantou-se antes de todos ainda ajoelhados e gritou um "NÃO!" sonoro e bateu em retirada da igreja. Poderia ter sido um delírio de Dona Matilde, poderia ser um mal-entendido qualquer, mas, de repente, a suspeita sepultada desde a infância martelou-lhe o coração e não houve quem a detivesse na escadaria em frente ao templo. Seus dois filhos ainda saíram atrás dela, mas não detiveram a louca e desenfreada corrida pela avenida, que só parou quando ela estatelou-se contra o ônibus 2712, da Viação São Judas, que fazia a linha para o cemitério.
contado por SV às 08:46 8 contando encontros
28 agosto 2006
Fala, Matilde - 2ª parte
- Raspei a buceta quando casei.
Aquela declaração da avó, no meio do almoço de domingo, quando sua filha lhe alimentava perante os netos e bisnetos foi o primeiro escândalo. Alguns riram disfarçadamente, outros deixaram cair os talheres. A bisneta Aninha, de três anos perguntou:
- Pai, o que é buceta?
A resposta veio pelo apelido que a menina aprendera para rotular sua própria vagina infantil:
- Pepequinha, Aninha – disse o pai quase sussurrando.
- Por que a bisa raspou a pepequinha? – quis saber a pequena.
O pai disfarçou, agachou-se junto ao ouvido da menina e disse para perguntar a sua mãe, mais tarde. A pequena curiosa não quis esperar. A noção de depois para ela era algo vago, que poderia durar uma eternidade, talvez até ficar velhinha como a bisavó.
- Mamãe, por que a bisa raspou a pepequinha? – gritou a menina do outro lado da mesa.
As risadas pipocaram pela mesa, menos no rosto da Dona Matilde, que voltou ao ser estado letárgico, deixando escorrer um pedaço de macarrão pelo canto da boca.
contado por SV às 08:22 5 contando encontros
25 agosto 2006
Fala, Matilde - 1ª parte
- Mamãe, a vovó está velhinha... É natural que chegássemos a essa situação algum dia. Alzheimer não é a melhor forma de envelhecer, mas hoje em dia podemos conviver com a doença, além do que temos uma família grande e unida.
- Filha, mamãe está tão bem fisicamente, apesar da bengala. O que eu não esperava era que de um dia para o outro, tivesse que vê-la catatônica como está. Fico preocupada com a qualidade de vida que ela terá daqui para a frente.
- Já eu me preocupo mais com a sua saúde, mamãe. Você já está com 58 anos e terá que cuidar da vovó como se ela fosse uma criança. Graças a Deus, temos condições de contratar uma enfermeira e é o que faremos imediatamente.
- Darei todo o carinho que ela sempre me deu.
Vovó Matilde era uma octogenária, mas até o ano anterior aparentava excelente saúde. Depois de uma queda, teve que colocar uma prótese no joelho, mas isso havia acontecido há vinte e cinco anos atrás, quando ela tinha somente sessenta anos, e soube aproveitar muito bem a vida depois disso, viajando o mundo com o falecido por alguns anos e, depois da morte dele aos setenta e cinco, com seus filhos e netos. Porém, há alguns meses, começaram os primeiros sinais da doença, como esquecimentos, conversas desconexas e algumas atitudes que surpreenderam a família.
Hoje, depois do atendimento médico, andava apoiada no braço da filha, em silêncio, como se tivesse distraída. Para entrar no carro, sua neta apoiava a mão sobre sua cabeça e ela flexionava os joelhos, olhando para cima, como se não entendesse de onde vinha aquela pressão para baixo.
contado por SV às 09:13 6 contando encontros
23 agosto 2006
Tabela Prática da Vida Humana
Se você é um americano e perdeu alguém nos atentados de onze de Setembro, em troca de seu ente querido você tem o direito de receber sessenta corpos iraquianos ou afegãos. Não é ótimo?
Se você é israelense e tem um primo soldado que seja seqüestrado, a promoção é imperdível. Sem que ele seja morto, você pode receber cem corpos libaneses, ou, pasme, até quatro corpos brasileiros! Só não pode escolher, nessa promoção só valem corpos de origem árabe.
Se você é africano, poderá participar do PRETHU (Programa de Retirada e Extermínio Total de Humanos). Reúna vinte amigos que também sejam jovens, negros, famintos e soros-positivos e poderão ser enterrados numa mesma vala comum, haja visto que ainda haverá oitenta outros para enterrá-los. Mas aproveite logo, pois em breve será o contrário. Serão só vinte para enterrar os outros oitenta que morrerão de fome ou falta de assistência às vítimas da Aids.
Agora, se você é morador do Canadá, Nova Zelândia ou da Europa, a cotação está ótima. De cada cem mil habitantes, menos de cinco serão assassinados no próximo ano. Se for brasileiro, carioca, ou mesmo habitante de qualquer cidade satélite das metrópoles brasileiras a cotação está em cem mil por cinquenta no mínimo. Ou seja, a cotação está dez por um. Imagine só: de cada morto branquinho você recebe imediatamente dez corpos cheios de ginga e alegria! Uma barbada!
contado por SV às 08:31 6 contando encontros
18 agosto 2006
Palanques
O velho político estava sorridente na esquina mais movimentada da cidade. Entregava seus folhetos com um sorriso largo, passava a mão na cabeça das crianças, cumprimentava os mais idosos como se fossem conhecidos de longa data. Justamente quando pegava no colo uma menina de vestido rosa e cabelo encacheado, ouviu um grito vindo do anonimato que encoraja as verdades e debochava da mentira:
- Corrupto!
A mãe ainda conseguiu aparar a criança que do braço do velho senhor despencava. Como numa sinfonia de Beethoven, todos os ruídos pararam e ficaram de prontidão para o próximo compasso.
O velho levantou a bengala e desafiou:
- Quem disse isso?
As pessoas da primeira fila faziam que não com a cabeça, com o dedo indicador, até com o pé uma senhora negou. Um cachorro de rua que ali rondava chegou a dar um latido, mas foi logo inocentado pelo timbre de voz. Entreolhavam-se enquanto o burburinho aumentava. O velho voltou a perguntar:
- Quem foi que disse isso?
- Fui eu! – uma voz rouca veio do meio da multidão. Dava para escutar o barulho que faz o sinal ao mudar de cor no instante seguinte à declaração daquele outro velho de estatura baixa, de bigode branco e fino, com sua bengala metálica.
A multidão, como que comandada por um diretor de cena, foi se abrindo até que os dois se encararam com seus panfletos nas mãos. O velho baixinho e desafiador, trazia no peito o símbolo de seu partido, logo abaixo de sua foto, de uns 30 anos atrás, quando ainda tinha algum cabelo no meio da cabeça, onde agora jaz uma pobre verruga, que, por ironia, ostenta um grosso chumaço de cabelo negro.
- Só podia ser Vossa Excelência Venceslau de Araújo, o comunista mais gatuno que já vi!
- Vou te perseguir até teu túmulo, velho corrupto, ladrão, fascista de uma figa!
- Olha quem fala, olha quem fala!... Ainda tenho aquelas fotos de Nova Iorque onde Vossa Excelência e eu fomos juntos e que o senhor só queria andar pela noite e dizia que estava estudando a segurança pública!
- Benevides Madureira, o santo homem que conseguiu verbas para erguer três ginásios de esporte para dez mil pessoas cada um, numa cidade que tinha apenas dois mil habitantes!
As bengalas eram balançadas feito espadas. A saliva de um já se aproximava dos óculos do outro e os passos arrastados já tinham sido desperdiçados na mesma direção. Aos berros que estavam, seriam ouvidos a uma quadra de distância. As pessoas assistiam à cena, alguns aplaudindo, outros vaiando, outros pasmos em ver figuras tão conhecidas na cidade digladiando em insultos.
- Deputado Venceslau, ainda com aquele slogan de ajudar aos miseráveis? Vossa Excelência não se esqueceu de que a verba que serviria para erguer o hospital de pronto socorro foi parar em vossa fazenda em Goiás?
- E o senhor Madureira, que dizia que a educação era fundamental, o que fez com o dinheiro que recebeu das empreiteiras que forjou vencedoras das licitações para receber seus quinze por cento, seu ladrão sem vergonha? O combinado era dez e Vossa Excelência quis mais, seu mau caráter!
- É fácil dizer que eu sou mau caráter, quando o digníssimo colega usou de documentos falsos para vencer a licitação que asfaltou a estrada que vai até a sua fazenda!
- Pelo menos não vendi minha fazenda para a reforma agrária e depois expulsei os colonos com meus jagunços!
- Claro, o nobre deputado mandava matar e nunca foi pego, porque pagava muito bem os juizes!
Enquanto tudo isso transcorria a população ria, aplaudia e gritava vivas ora para um ora para o outro.
- Não tenho mais idade para ser ultrajado desse jeito!
- Sua velha onça vermelha, porque não se aposenta, já que o ilustríssimo colega recebe aposentadoria desde os vinte e oito anos?
- E Vossa Excelência, que não se aposentou e ainda recebe salário de quatro repartições públicas?
O povo vibrava com o bate bocas instalado. Faziam comentários, gargalhavam, vaiavam. Meia hora depois o episódio tinha acabado e o povo seguia seu curso, feito um rio que se joga ao mar e não sabe mais de onde veio tanto destroço de enxurrada.
Passado um mês, estavam os dois no mesmo palanque, rindo abraçados, apoiando o mesmo candidato à presidência, felizes por estarem re-eleitos.
contado por SV às 17:22 7 contando encontros
16 agosto 2006
Além do Fim - última parte
contado por SV às 17:25 7 contando encontros
14 agosto 2006
Além do Fim - 10ª parte
Aqueles sinais embaralhados eram uma ponte que se estendia, além da troca de carícias. O que era três virou a letra E que juntou com a letra A que já descobrira e um pouco mais ele entendeu. A intimidade instalou-se quando seus olhos encontraram o caminho dos lábios e as palavras foram ficando claras, como fica o desejo atrás das pálpebras.
contado por SV às 08:38 4 contando encontros
11 agosto 2006
Além do Fim - 9ª parte
contado por SV às 17:04 5 contando encontros
09 agosto 2006
Além do Fim - 8ª parte
contado por SV às 17:39 11 contando encontros
07 agosto 2006
Além do Fim - 7ª parte
contado por SV às 08:55 6 contando encontros
03 agosto 2006
Além do Fim - 6ª parte
contado por SV às 08:21 6 contando encontros
01 agosto 2006
Além do Fim - 5ª parte
Segunda Dimensão, Salvador Dalí
Ela não podia crer naquilo. Um homem bonito, que apesar de estar com a roupa suja, se via não serem roupas velhas. Como poderia ter chegado àquele ponto? Um bêbado caído na sarjeta, recolhido por uma mendiga que vivia de pequenos furtos com seu cão velho, que só servia para dormir e andar com ela pelas lixeiras. Um homem que não falava, comia bem, cagava bem e não movia nada além dos olhos. Depois daquela sujeira toda, pegou uma camiseta velha de propaganda política que tinha e limpou a merda toda. Pôde ver o homem nu, pois a cueca que lhe tirou já não servia pra mais nada. Viu o corpo inerte, porém bem feito, com um cacete bem grande que lhe deu um arrepio entre as pernas. Porém, daquele outro bêbado caído sobre um monte de pêlos mijados era natural que nada pudesse esperar. Mesmo assim, longe dos olhos dele, aproveitou para pegar-lhe com a mão, apertar-lhe e sentir o peso de suas bolas, coisa que nunca pôde fazer quando dava para homens que lhe dessem o prazer da droga. Limpou-o dentro do possível, derramou da água, esfregou e pensou que talvez esse homem mudo, inerte e bonito pudesse servir para alguma coisa. Antes de sair, escreveu-lhe:
contado por SV às 07:58 5 contando encontros
27 julho 2006
Além do Fim - 4ª parte
Ele sentia dor na cabeça, talvez estivesse machucado. Fome ele tinha, mas era diferente. Não havia a sensação do estômago, era de outro jeito: era como se fosse uma chance de viver. Ela tinha uma velha garrafa de refrigerante com uma água turva, que acomodou em seus lábios até que ele bebesse. Ela tomou da mesma garrafa, comeu da mesma pizza, assim como o cão lambedor. Queria dizer-lhe algo, mas não conseguia articular palavras, tampouco entender o que ela dizia. Ela pareceu entender que ele nada entendia. Talvez fosse estrangeiro, talvez surdo, talvez mal-educado. De estômago satisfeito, passou a perceber os odores, como se lhe restasse apenas esses sentidos: a visão de um lugar escuro onde uma mendiga lhe acolhia, o paladar de uma pizza bolorenta e o olfato de mofo, mijo e excremento. Pôde ler nos lábios dela um palavrão bem silábico e ela começou a limpar-lhe sem cerimônia. Teve certeza agora que estava nu, cagava e mijava sem controle, mas tinha alguém lhe cuidando. Por instantes o cão parou de lamber-lhe.
contado por SV às 15:43 13 contando encontros