29 dezembro 2005

Sonhos da Galinha Verde - I



Um dia, minha filha acordou-se assustada. Havia tido um pesadelo daqueles, assustadoramente real. Porém, no final, eis que aparece uma galinha verde que lhe confirma tratar-se de uma ilusão.

Quero sonhar com galinhas verdes! Terei o direito de ter todos os pesadelos e acordar-me sorrindo.

Pesadelo 1:


Converso com Lula...
- Lula, você sabia de tudo isso que o Valério está afirmando?
- Sim!
- Mas por que tu deixaste acontecer?
- Era o único jeito de me eleger!
- Mas quem te disse?
- O Duda Mendonça!
- É?
- Sim... ele me disse também que tenho que falar de ladinho pra ficar mais simpático.
- Sim, mas isso não é tão grave... Mais alguém sabia?
- Sim, todos da executiva do PT, mas a gente escolheu o Delúbio pra levar a culpa.
- E ele?
- Prometemos que nada ia acontecer, porque caixa dois não é crime.
- Sim, mas é a ética??
´

Eis que aparece a galinha verde e me acordo sorrindo.

23 dezembro 2005

Diferente


Enquanto muitos erguem bandeiras pela igualdade, cabe lembrar justamente as diferenças e o respeito que devemos ter por elas.
O ser humano não foi feito para ser igual. Na mesma medida em que cria distâncias cósmicas entre raças, credos, culturas e condições sociais, tenta criar um mundo onde tudo o que foge a regra torna-se marginal.
O daltônico, o soro-positivo, o homossexual, o cego, o anão, o down, o surdo, o paraplégico, o hemofílico, o alérgico ao glúten, o muçulmano, o diferente. Nossa sociedade vai segmentando, estratificando seus iguais até encontrar um rótulo ou uma condição que permita a dominação.
E nesse mar de diferenças, apela ao discurso fácil da igualdade para sobrepor-se e liderar àqueles que, a sua ótica, são os diferentes. Mal sabem eles que a riqueza está justamente no que somamos ao próximo, no que nos faz especiais, no que encontramos em alguém além dos nossos olhos, do nosso tato, dos nossos sentidos.
Viva a diferença, viva a completude, viva o que é mais complexo que nossos olhos nos permitem ver!

16 dezembro 2005

noite de luz


Daqui de tua lixeira, onde remexo teu lixo incógnito, vejo tua janela aberta, vejo tua família ao redor de uma mesa farta, vejo luzes, enfeites vermelhos e dourados, vejo uma árvore mágica que pisca sobre enormes caixas com laços enormes e brilhantes.

Daqui de tua lixeira, recolho o que te resta, procuro algo que termine o tormento da fome que agride meu corpo e daqueles que lá em casa me esperam de braços abertos e olhos profundos.

Daqui de tua lixeira, onde sou transparente e tu não me vês, vou partir nessa noite de paz, nessa noite feliz para alguns e quem sabe levar um bocado de tua alegria e compartilhar em minha mesa com o meio panetone que aqui encontrei.

E lá na barranca do rio, vou chamar o menino que por lá passa, sem pai e sem amor, perdido entre a cola que lhe disfarça a fome e o desejo contido de ser acolhido para levá-lo a minha casa, sentá-lo junto de nós e celebrarmos nosso Natal em família.

Não terei tantos enfeites nem luzes que lampejam cores brilhantes, mas dividirei meu jantar humilde, quem sabe um pedaço de carne com meu irmão perdido, junto com minha família amada e trarei para junto de nós o verdadeiro espírito dessa noite de luz.

09 dezembro 2005

Do Efêmero ao Irreversível



Quando tudo o que vemos em manchetes se torna efêmero, quando tudo que é notícia vai para o esquecimento assim que outra notícia surge, quando tudo o que foi tragédia só é revisto na retrospectiva de final de ano, como se tivesse acontecido há muitos anos atrás, pergunto: e o que ficou para trás?

O político corrupto que balançou o país renuncia a seu mandato, tira férias em Miami e aproveita para ir na “laundry” mais próxima e lavar seu dinheiro sujo. Na próxima eleição, volta ímpio e sorridente, colhe seus votos na legião da amnésia e retoma seu lugar no país onde vai ajudar a formular nossas leis que lhe manterão impune.

Quando tudo é efêmero, não podemos nos esquecer da irreversibilidade que está além da filosofia. O falso representante do povo, que rouba e se reelege continuará a fazer das suas, porém os miseráveis que ficaram sem recursos na periferia das grandes cidades ou abandonados em povoados secos e perdidos do nordeste árido, lá morrerão frutos da iniqüidade de um sistema que traz em seu cerne o genocídio tácito. Atrás da efemeridade de suas falcatruas resta a irreversibilidade trágica de um povo esquecido.

Do local, ao mundial, tudo se repete. A grande tsunami no oceano Índico dá lugar ao furacão, que dá lugar ao terremoto que tira tudo do lugar. Na próxima manchete deletaremos de nossa memória a última tragédia para nos emocionarmos com a criança desamparada em mais uma revolta da Natureza e ficará tudo como está ao sul do Equador ou qualquer outro rincão esquecido do planeta.

Passada a primeira tsunami, veio a seguinte: CNN & Cia. inundando o mundo todo com suas ondas de desespero; passados os furacões, lá estava a FOX News e seus asseclas, sacudindo as ondas magnéticas com o desamparo de miseráveis onde nunca se imaginou que pudessem estar; sacudida a Cashmira, muitos souberam que era uma região super-povoada e não apenas mais um tipo de malha cara usada pelas elites. Junto com o trabalho sério e necessário, lá estava a imprensa oportunista a mesclar rostos pardos e tristes com comerciais dos lançamentos mais modernos para combater a flacidez de nossos músculos ou grills ecléticos que separam a gordura de nossos assados.

A natureza continuará a mostrar-se e cada vez com mais força, pois somos mais seres humanos no planeta a cada dia e cada vez a imprensa está mais próxima cumprindo seu papel, porém os danos que ficaram para trás causaram traumas irreversíveis na vida de cada uma das vítimas e não podemos nos esquecer disso.

Mas e o que não é manchete? Podería-se até reverter, com menos recursos que se usa nas guerras, todas as mazelas do mundo subdesenvolvido, porém os que morreram pelo caminho, os que não foram nutridos e agora não pensam e não articulam suas respostas são, todos eles, as vítimas da irreversibilidade que jaz atrás do efêmero.

01 dezembro 2005

Feeling Literature



Literature is something great. Using a concept of art, I may define it as music for the ears, light for the eyes and honey for the heart. For those, like me, who enjoys reading, literature is more than books, texts and writings, it is the sound of the wind, it is the smell of the sea, and it is the blue of the sky. It is a bunch of nature manifestations, including the human feelings, all put together in sentences, in words, in letters, expressing all kind of actions, movements, signs.
Literature is a time machine, something universal, that has the power of transporting us to the past, taking to the future or just holding us in the present.
by Elisete Esmitiz

25 novembro 2005

Uma Carga Muito Pesada


O brasileiro que nasceu durante os anos 60 em diante, tem nas ferrovias uma imagem ligada a história, tal foi o sucateamento que as políticas pseudo-desenvolvimentistas de JK e do período da ditadura promoveram, praticamente extinguindo as vias férreas. Isso provocou-me uma curiosidade em ler sobre o estabelecimento das ferrovias pelos ingleses.
Existem histórias muito interessantes sobre essa época. Uma delas é que os ingleses construíam as estradas de ferro com uma infinidade de curvas, porque ganhavam por quilômetro construído. Em Salvador do Sul, RS, há uma estrada desativada que faz curvas de vários quilômetros e depois passa a poucos metros do ponto anterior.
Se não me falha a matemática, o que falta num lado da equação deve sobrar do outro. Ao reter em torno de seis por cento do que o governo arrecada para custear a dívida pública, me faz lembrar dos antigos ingleses implantando longas ferrovias curvilíneas por todo Brasil e ajudando a cavar o poço da dívida externa.
Ai, ai, ai... não é de hoje que contribuímos para a corte. Antes na matriz, agora para a corte filial (tenho em mente que os EUA não passam da transferência de matriz do império anglo-saxão).
Os tributos dirigidos à corte serviam para custear a dívida com o império anglo-saxão, cuja matriz era na Inglaterra. Desde a independência americana até às grandes guerras mundias do século passado, a matriz imperial foi se transferindo pelo oceano atlântico e instalou-se no EUA. Tudo aquilo que aprendemos, as glórias da independência americana são farsas históricas. O Império ainda é o mesmo, só mudou de continente. O poderio anglo-saxão continua a sugar as colônias bananeiras, se não em estradas de ferro com suas curvas espirais e helicoidais, mas por financiamentos oficiosos de FMI e BIRD que emprestam às nações satélites e mantém o status quo da civilização ocidental.
O trem imaginário da carga de dívida e impostos é de fato uma realidade que pesa a todos, sugando da educação, das moradias e da saúde, as últimas gotas de suor de um povo que vem sendo usurpado há séculos por impérios estrangeiros.

11 novembro 2005

Preciso Parar

Estação São Leopoldo - Museu do trem

Quando cheguei a Catende percebi que chegara à estação de partida. Sim, isto mesmo! Respirar, concentrar e... control + alt + del! Preciso retomar meus livros, rever filhos, folhar álbuns e visitar pessoas que já se foram para onde esse trem não vai. Vou chorar, rir, dizer que voltei. Tenho que tomar meu trem, tomar ar, tomar chimarrão. Preciso parar de não querer parar. Preciso parar de não me deixar parar.

Antes de tomar o trem, vou mergulhar na mata, buscar um tempo que não foi meu, vou andar por Catende, seguir o luminoso do Cine Teatro Diamante. Vou entrar, escolher a poltrona do centro e relaxar. Costumo sentir saudades do que não vivi e disso também preciso parar.

Comigo levo só um bloco de anotações e, para não deixar passar o que ficar para trás, levo minha máquina digital de cinco megapixels só para trazer meu passado de fotos em preto e branco de volta à vida.

O trem que me leva, não tem campainha, não tem companhia, não tem fiscal, mas preciso partir. Vou deixar para trás meus emails, meus CDs, meus blogs favoritos e vou descer na
Estação Rio dos Sinos. Lá, vou reencontrar minhas pegadas, como um caçador perdido na selva andando em círculos.
Ao passar em São Leopoldo, esse trem trará pelos trilhos os gritos de crianças me oferecendo pastéis, rapaduras e gasosas de um tempo distante em fotos em tons de sépia. Vou encontrar aqueles velhos manuscritos que deixei em alguma gaveta nos lugares que cresci. Vou sentar nas sombras de cinamomos e, quem sabe, encontrar aquela amiga de infância, pular sapata, cantar uma marchinha antiga de Carnaval.

Tenho passagem marcada na vida, na estação de Catende, rumo ao sul, a Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, onde esse trem me levar. Depois, com a mala cheia de amor, volto a Catende, como tapioca, entro no teatro e volto a minha estação, pressiono power e me conecto com tudo o que me fez parar.

Texto em homenagem à Santa madrinha desse blog, porque onde havia Pedra encontrei Flores

28 outubro 2005

Fronteiras da Miséria


Você, em sua casa, tal qual um nobre em seu castelo, se cerca de grades, alarmes e trancas. Quer deixar de fora o que lhe afronta, o que lhe amedronta, o que lhe tira o sono. No seu bairro, ajardinado e limpo, desconfia de todos que nele cruzam, até do gari que ali trabalha e do catador que “limpa” o seu lixo.

O Brasil vasculha, em porões de navios que passaram pela África, os desterrados de hoje e encontra, em galpões imundos, pobres bolivianos e paraguaios, trancafiados feito bichos, presos a dívidas, sem documentos e sem honra, trabalhando para seus donos por um prato imundo de comida.

Na fronteira entre os ricos do norte e os miseráveis do sul, como uma arquibancada prestes a ruir, hordas anônimas esperam o momento de invadir o “american way fo live”. Pelos rios, desertos e pelo mar, em barcos, caminhões ou qualquer coisa que flutue, latinos invadem o reino do Tio Sam, para trabalhar por algumas verdinhas indecentes, em serviços que os próprios americanos se recusam a operar.

Na Europa, penitenciárias em aeroportos na Holanda e hotéis na França, ardem com carvão humano, em fogueiras nazistas. Povos vindos da África para servir a nobreza mofada, ou vindos da velha cortina enferrujada, fugindo da falência de um sonho comunista.

E você, através do olho mágico de sua porta trancafiada por ferrolhos e aparatos eletrônicos, se julga protegido. Vã ilusão...

Entre Aids, guerrilhas, porões e galpões, a miséria se multiplica sem que ninguém faça nada e mais cedo ou mais tarde, não haverá fronteiras. Em busca da água, alimento e de um futuro digno, tudo ruirá. Se ficarmos assistindo, ignorantes em nossos castelos de areia, assistiremos a queda dessa civilização do medo, onde a escravidão só mudou de ares; onde milhões de pessoas se submetem a uma vida miserável, enquanto uma minoria engorda, de tanto comer o que não digere, para depois gastar seu dinheiro para restaurar a falácia juvenil que vende cosméticos, dietéticos e cirurgias milagrosas que não corrige a flacidez de suas almas.

24 outubro 2005

O Outro Lado da Moeda


Em cada encontro buscamos o novo, mas o que fazemos para transformar velhos erros em novas chances?
"Além do horizonte, existe um lugar, bonito e tranquilo, prá gente se amar". Na realidade, além do horizonte, existe Angola...
Clique aqui e reflita sobre todas as diferenças que levam ao caos.

04 outubro 2005

Águas


Por muito tempo olhei o lago, encantado com sua imensidão. Parecia profundo, oculto em sua superfície calma e aconchegante, manso como uma montanha distante. Costumava passar noites olhando as pessoas banhando-se entre risos e sussurros, outras em nado agitado, que turvava sua cor de um verde profundo feito floresta fria que margeia cordilheiras.
Meu primeiro mergulho foi quase solitário. Atirei-me na água assim que um olhar curioso me arrebatou nas matas. E lá fiquei esperando. Enquanto aguardava, nadei por algum tempo para sentir o gosto e assim descobri que pode ter muitos sabores. A cor, que de fora era selvagem, me pareceu tinta fresca de um quadro de Monet, de pinceladas largas e de combinações inusitadas.
Por lá fiquei muito tempo, até ver aqueles pés, de quem sentada no trapiche, lambiscava a água com a suavidade alva de sua pele. Bastaram-me aqueles pés para transformar toda aquela serenidade em turbilhão. E nadei feliz, respingando, jogando prá cima e querendo molhar a todos que por mim passavam. Ela nunca mergulhou completa e deliciei-me com seu corpo separado de sua alma, que tinha em mira outras águas, mais distantes e obscuras. Saí do lago, me sequei rapidamente e fiquei ao sol.
Por algum tempo, procurei águas mais rasas, que não me molhassem plenamente, porque precisava estar pronto para quando chegasse ao mar. Houve poços, poças, ancoradouros e represas, mas eu queria o mar.
Como criança que em viagem de férias anseia ver o mar e quando o encontra se surpreende, fiquei de olhos vidrados no horizonte. E ele veio a mim, imenso, rugindo, verde jade e não tive dúvidas que o encontrara. Ela estava na praia e me acompanhou num salto rápido. Conhecemos todas as profundezas que aquele oceano sem fim nos oferecia. Entregues, longe do litoral, nadamos, rimos, compartilhamos cada recife, cada atol, cada coral, cada tempestade. Mas o mar se tornou bravio, temporais constantes, ciclones, furacões nos arremessavam longe e eu a buscava, a socorria, dava-lhe ar aos pulmões e podíamos assim nadar mais e mais. Até que um maremoto nos separou e a água me pareceu triste demais para continuar nela.
Restei-me ao longo da costa por um tempo, apreciando aquelas ondas que ainda me faziam arrepiar à noite. Ali dormi por um dia inteiro, olhando a arrebentação, procurando além, a calmaria.
Ainda tinha o sal nas minhas costas, quando me chamaram atrás e vi um rio, despencando montanha abaixo, que ao juntar-se ao mar parecia uma enseada tropical, com palmeiras verdejantes e areia cristalina. Entre ficar mirando o mar e ousar subir o rio, me atirei na correnteza e nadei com a ânsia de quem quer encontrar o curso definitivo. A cada curva que conhecia, aquela torrente era mais forte e me forçava para lados que eu não queria ir. Eram águas possessivas que, porém, em suas profundezas mostrava-se mansa e carente de meus olhos. Fiquei muito tempo braceando, querendo trazer à tona as águas que me atraiam, mas as marolas da superfície eram na verdade redemoinhos que teimavam em me afogar. Quando o rio saiu de se curso e começou a inundar as matas que eu tanto apreciava, e antes que arrebentassem todas as margens, saí e procurei abrigo na minha própria sombra.
Quando o tudo parecia acalmar-se novamente, feito a calma que segue as enchentes, sem que outra fonte me saciasse, aproximei-me com cuidado e molhei meu pé. Feito papel, aquela água foi subindo em mim e me puxou para seus disfarçados sumidouros. Ao julgar-se possuidora de meus gestos, tive tempo de segurar-me no primeiro galho que avistei na encosta e subi.
Não quero mais essa água traiçoeira. Quero o delírio em ribanceiras e a tranqüilidade perene dos lagos acolhedores que repousam dentro de mim. Ficarei aqui, no alto da montanha, onde a vista é larga e procurarei uma nova estação de chuvas, que encherá os vales vazios e os pântanos rachados do sol.
Vou viajar em barcos, com velas largas, feito Magalhães circundando mares temerosos, mas com a alma intacta de águas insalubres. Quero encontrar um porto, onde soltarei minha âncora, sem importar-me se é rio, lago ou mar, mas que seja calmo, tranqüilo e só se revolte para me convidar a saltos em trampolins e não mais em pranchas de navios piratas.