21 fevereiro 2007

Desce? - 7

cubismo gráfico - Shawn


Convencer o idiota de seu amigo a fazer o assalto com ele custou-lhe uma pedra de crack. O que não contava é o quanto alto ele ficaria. Agora, depois de trancar os "trouxas" no banheiro, pegar o dinheiro no cofre, tinha que cuidar para não deixar o "plasta" vagando pelos corredores do prédio. A escada ficou inviável; naquele estado não conseguiria tirá-lo dali. Melhor arriscar o elevador, enquanto os "manés" estavam presos.

A porta abre-se rápido e acende-lhe a esperança de uma escapada na mesma velocidade. Quando inicia a descida começa a tremer, pois a geringonça mal se move. Há uma mulher do seu lado que reza. "Será que ela desconfiou?", pensa. Dá uma geral nas pessoas que ali estão. Um malandro atrás... melhor tomar cuidado com ele, reflete, pode ser um "colega" e lhe roubar. Por frações de segundos, as duas gatas lhe fazem esquecer a fuga. A mais novinha serviria para seu amigo, mesmo chapado, e a outra, mais descolada, valeria a pena gastar a grana num motel com ela, numa suíte, "suíte presidencial, por favor!", já se imagina, com ela agarrada a beijar-lhe descaradamente. Volta da ilusão ao reparar no homem com uma pasta. Quem sabe a sorte grande não lhe está aplicando uma peça e ele está carregando uma bolada? Quem sabe tivesse assaltado outra sala com mais dinheiro? O elevador pára logo em seguida... "ah, não!... está lotado!", diz de impulso, louco por ver-se na rua. Enquanto enxuga o suor da testa, o elevador tranca e a luz se vai. "Merda, era só que faltava", é o que lhe ocorre enquanto sente o "berro" a gelar-lhe à cintura...

09 fevereiro 2007

Desce? - 6





Psicodelia - 70's -

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Na verdade ele não lembrava muito bem o que decorrera entre a última pedra que queimaram até agora. Lembrava que seu amigo lhe propusera um negócio que renderia muito dinheiro, que se tratava de um prédio e que poderiam comprar mais pedras, vender e ganhar mais dinheiro. Depois tudo ficou colorido, lembrava de algumas pessoas assustadas, de uma porta fechada, de um revólver na mão do amigo. Agora no corredor, não sabe onde é a escada e terão que descer de elevador. Começa a suar frio e não sabe ao certo se seu amigo havia trancado a porta onde aquelas pessoas estavam. Num susto, abre-se a porta do elevador e já está quase cheio. Vê o vulto de uma senhora que reza e teve a impressão de ter morrido. Ao lado duas meninas, uma que sorri e outra que fala ao telefone. Um garoto mais atrás de está de óculos escuros - deve estar "viajando" também, pensou. O homem com a pasta parece um velho entregador de maconha lá no morro, mas não tem certeza. Pode ser a porta do inferno e, não, o elevador que pára, a luz se apaga e ele fica esperando pelo demônio. Sente o cheiro de enxofre e passa a ter certeza.

01 fevereiro 2007

Desce? - 5

Boccioni - cubismo


Sua frio. Depois de três meses desempregado, a ansiedade lhe fizera engordar dezessete quilos que se somaram à montanha que já carregava consigo. Saíra há pouco da entrevista para corretor de seguros e a simples olhada geral que a psicóloga lhe terminara com a esperança. Além do mais, as fartas refeições às custas do salário mísero de sua mulher, pesam agora em seu abdômen e não vê a hora de chegar a um banheiro. O elevador demora uma eternidade e chega quase cheio exatamente no momento em que solta o gás venenoso que envolve suas calças feito um balão explosivo. Movimentos mínimos talvez ajudassem a preservar consigo a nuvem tóxica. O que não contava era com a porta prendendo sua pasta cheia de currículuns, que lhe força a um puxão que evita que ela suba no movimento contrário do lento de descida. Sabe que a menina atrás de si está rindo, mas disfarça para movimentar-se menos. A senhora ao seu lado se benze na partida do andar, talvez pelo sacolejar bruto ou pelo aroma nada agradável que começa a evaporar de suas roupas. A mulher elegante ao telefone está distante em sua conversa, mas é bem possível que seja a primeira a inalar o desconfortante azedume que está prestes a ser descoberto. Quando as coisas já estavam mal, sua barriga volta a movimentar-se exigindo que vá logo fazer o que mais tem feito de produtivo nos últimos meses. O garoto de trás, provavelmente, será o último a perceber, já que está com seus fones de ouvido e não ouvirá a reclamação geral. Sua frio, em bicas. O elevador pára novamente e entram dois rapazes bem vestidos que levam uma pasta igual a sua, bem cheia. Um concorrente a uma vaga enxerga de longe seu adversário. Se achava que não poderia piorar, enganara-se. Pára novamente e a luz se apaga. De dentro de si o flato ousado não respeita a escuridão e deflagra o arraso final.